30 de junho de 2012

Análise: Em marcha, a transformação da demografia religiosa do paí


0/06/2012 - 03h30



RICARDO MARIANO
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Censo confirma as tendências de mudança radical da demografia religiosa nas últimas décadas: queda da hegemonia católica, avanço vertiginoso dos evangélicos e diversificação religiosa.
Liderada pela Renovação Carismática e apoiada na criação de redes de TV e no evangelismo midiático, a reação católica à expansão pentecostal fracassou.
O inchaço da categoria "evangélica não determinada" reduziu artificialmente o crescimento pentecostal. Mostra limitações do Censo, mas também pode estar sinalizando a expansão da privatização religiosa nesse grupo, situação em que o crente mantém a identidade religiosa e a crença, mas opta por fazê-lo fora de instituições.
Tal privatização resultaria da massiva difusão do individualismo, da crescente busca de autonomia em relação aos poderes eclesiásticos, à imposição de moralidades tradicionalistas, aos elevados custos do compromisso religioso. Ela pode ter ocorrido, em especial, entre indivíduos dos grupos mais beneficiados pelo crescimento da renda e das oportunidades no mercado de trabalho e no ensino superior.
O Censo também reitera o crescimento do pentecostalismo na base da pirâmide social: 64% dos pentecostais ganham até um salário mínimo, 28% recebem entre um e três salários, 42% têm ensino fundamental incompleto. Avança nos segmentos mais vulneráveis da população, nas periferias urbanas e regiões mais violentas, nas fronteiras agrícolas do Norte e do Centro-Oeste, onde a presença católica é rarefeita.
Causa surpresa o declínio, em números absolutos, de Congregação Cristã no Brasil e Universal do Reino de Deus. Elas perderam, respectivamente, 200 mil e 228 mil adeptos. Até então, só uma grande evangélica, a Luterana, havia declinado, o que se explica por ser uma denominação de tradição étnica pouco dedicada ao proselitismo.
Parte da "queda" (improvável, cabe frisar) da Congregação e da Universal decorre da indefinição da identidade denominacional de 9,2 milhões de evangélicos. Mas há outras hipóteses.
Fiel aos princípios de não fazer uso proselitista de mídias e não apelar para a oferta sistemática de serviços mágico-religiosos, a Congregação perde competitividade.
Já a Universal tem sido fortemente pressionada por igrejas que passaram a clonar seus métodos, especialmente a Mundial do Poder de Deus, liderada por Valdemiro Santiago (315 mil adeptos). Pela TV Record, Edir Macedo já acusou o golpe, ao atacar ferozmente o oponente, que, tal como Silas Malafaia, passou a ser estrategicamente apoiado pela Rede Globo.
Seus mega templos desfavorecem uma sociabilidade fraternal e comunitária. E a ênfase na oferta ritual de soluções mágicas faz com que frequentadores ajam mais como clientela flutuante. Eles pagam por serviços, mas refutam compromissos duradouros. À Universal carece da capacidade de formar comunidades e da pregação de uma teodiceia redentora de longo prazo. É o que se propõem a fazer várias independentes o grande guarda-chuva "Assembleia de Deus".
RICARDO MARIANO é sociólogo

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