21 de junho de 2012

Rio+20: Ignacy Sachs defende a criação de redes de cooperação pautadas por biomas




 
O autointitulado ecossocioeconomista gostaria que houvesse mais cooperações Sul-Sul.

Um dos criadores do termo ecodesenvolvimento (que originou o conceito de desenvolvimento sustentável), Ignacy Sachs acredita que os países em desenvolvimento deveriam cooperar mais no campo científico. "Vocês [brasileiros] têm cacife político e científico para armar redes pautadas por biomas", declarou o economista de origem polonesa, que viveu 14 anos no Brasil, e apresentou a conferência 'O início de uma nova era: o Antropoceno' nesta segunda-feira (18), no Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia (COPPE), da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A conferência foi parte dos eventos preparatórios para a Rio+20.

Ele sugere que países com experiências semelhantes - como os detentores de florestas tropicais - troquem expertise, incentivando o intercâmbio de pesquisadores. Sachs lembra que, em geral, cientistas dos países em desenvolvimento preferem estudar em países desenvolvidos, que têm mais tradição em pesquisa. "Claro que o peso da C&T americana, europeia e japonesa era quase que total, mas reduziu sua parte relativa. Temos que considerar que o fortalecimento do potencial científico e tecnológico dos países emergentes é uma tarefa importante para o futuro", opina.

Sachs compara o potencial dos países emergentes com "a imagem de abre-alas do carnaval". "Acho que Brasil e Índia são os abre-alas do bloco dos emergentes", avalia. Sachs passou uma parte da vida vivendo na Índia e vê diversas relações entre os dos países. "Ambos têm cacife de mobilizar os outros e ambos têm laços importantes com vários países africanos", acrescenta.

"Não estou pregando revolta do Sul contra o Norte, nem a exclusão do Norte. Estou tentando convencer [os países em desenvolvimento] de que tenham mais autoconfiança. E estabelecer redes de cooperação científicas e tecnológicas pautadas nas geografias dos biomas e não por meridianos", sentencia.

Fundo - Durante a palestra, Sachs defendeu a ideia de criar um fundo que destinasse um percentual do PIB dos países ricos com o objetivo de promover o desenvolvimento sustentável. Quando perguntado sobre a retirada da proposta do rascunho do documento da Rio+20 de se criar um fundo similar, Sachs respondeu que "em uma decisão internacional  há sempre coisas que devem ser retiradas para manter outras".

"As Nações Unidas representam, por um lado, um potencial de recursos financeiros e, por outro, uma grande mobilizadora de recursos intelectuais, técnicos e científicos. Uma terceira função seria compatibilizar as aspirações dos diferentes países membros e contribuir para que se organizem com sinergias positivas no lugar de embates", opina o também professor titular da Escola de Estudos Avançados em Ciências Sociais de Paris.

Sachs diz que, mais que levantar uma "bandeira verde", ele prefere levantar uma "verde e vermelha", como "uma bandeira de Portugal". "O vermelho representa os objetivos sociais", explica.

"Temos que aprender a caminhar apoiados em três pés: objetivos sociais, condicionalidade ambiental e viabilidade econômica. Enquanto não transformarmos as propostas em economicamente viáveis, fica conversa de boca para fora", conta, acrescentando que "todo custo ambiental acaba sendo também social".

Sachs trabalhou na organização da Primeira Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU, realizada em Estocolmo, Suécia, em 1972, durante a qual foi criado o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Nessa época, a partir de uma proposta do secretário da Conferência, Maurice Strong, Ignacy Sachs formulou o conceito de ecodesenvolvimento que, anos depois, daria origem à expressão desenvolvimento sustentável. Sachs foi também conselheiro especial da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992.

Energia e crise - O economista também declarou que apesar de a humanidade não estar "condenada às energias fósseis", seria uma "lástima" o Brasil não aproveitar "a curto prazo" recursos como o petróleo do pré-sal. "Porém, o primeiro indício de progresso é a energia que deixamos de consumir porque aprendemos a usá-la de maneira mais eficiente", completa.

Sobre a crise europeia, Sachs acredita que "é mais uma razão para que os países emergentes pensem em estreitar suas relações mútuas, passando a depender menos da passagem de tecnologia de países desenvolvidos" e alertou que o mercado "tem vista curta e pele grossa" por não se preocupar com os elementos sociais.

"Se formos mais ou menos razoáveis e eficientes, o problema financeiro não será o gargalo de estrangulamento. O gargalo será na falta de propostas claras para a cooperação científica e técnica e projetos comuns que se pautem e sejam capazes de propor um uso sustentável dos recursos renováveis dos diferentes biomas do planeta. Temos um enorme trabalho pela frente porque temos que reorganizar a geografia das cooperações", conclui.

(Clarissa Vasconcellos - Jornal da Ciência)

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