Folha de S.Paulo, 3/10/2012
Não há grande ameaça a interesses brasileiros em jogo nas eleições presidenciais da Venezuela
Não haverá gestão de Dilma junto a Hugo Chávez ou seu opositor, Henrique Capriles, pedindo eleições limpas e pacíficas. Não haverá aviões da FAB pousando em Caracas com enviados pessoais tais como o chanceler, o ministro da Defesa, os presidentes do Congresso Nacional ou do Supremo Tribunal Federal. A Unasul enviará observadores eleitorais, mas a presidente não fará discurso contundente para fortalecer-lhes o mandato. No passado, FHC e Lula apelaram ao telefone e a mensageiros pessoais uma e outra vez para lidar com a Venezuela. Não agora. O silêncio se justifica porque não há grande ameaça a interesses brasileiros. Eventuais surtos de violência e fraude eleitoral não bastam para meter a mão no vespeiro. Entretanto, é impossível não sentir algum desconforto com essa atitude. O Brasil tira vantagens extraordinárias de sua relação com a Venezuela. Isso cria responsabilidades especiais tanto para quem vê no chavismo uma experiência democrática promotora da justiça social quanto para quem nele enxerga uma séria ameaça à democracia. O silêncio de hoje pode não custar caro aos interesses brasileiros de amanhã. Mas é o melhor que podemos fazer? No quesito Síria, o texto seguiu à risca a posição americana. Não houve reflexão sobre a nova democracia no Egito nem menção ao Irã. Nada sobre os efeitos da intervenção do ano passado na Líbia. Nenhuma palavra sobre o trabalho brasileiro no Haiti e na Guiné-Bissau. Sem usar o púlpito para oferecer uma visão própria dos principais temas da agenda, perdeu-se a oportunidade de mostrar ao mundo que o Brasil tem algo construtivo a dizer sobre a ordem global. O discurso também jogou pelo ralo o esforço brasileiro para construir pontes entre as nações: enviesado, denunciou a islamofobia de países ocidentais, mas silenciou sobre os ódios igualmente nefastos que fluem em direção oposta. Assim, desqualificou o Brasil como interlocutor de todos. Pior ainda foi o trecho sobre a vizinhança. Dilma afagou Cuba, mas calou sobre a principal notícia dos últimos tempos: o inédito e promissor processo de paz entre Colômbia e Farc (com ativa participação cubana). Assim fica impossível obter simpatia sul-americana para as pretensões globais do país. O momento tragicômico ficou por conta do tempo precioso gasto para celebrar a redução dos acidentes de trânsito. Isso mesmo, leitor, acidentes de trânsito. Dilma ainda justificou o neoprotecionismo. Apenas o nosso, claro, porque o dos outros é ruim. Vazio de ideias e mal escrito, o discurso provoca impaciência, perplexidade e preguiça. É um desserviço ao processo de ascensão do Brasil. Não precisava ser assim. |
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