Folha de S.Paulo, 29/11/2012
O aperto exagerado imposto por países europeus leva Espanha a recorrer a métodos de Terceiro Mundo
MADRI - A rede de lanchonetes Vips está lançando a campanha "Mesa para Todos". Pede a seus fregueses que, entre 10 e 16 de dezembro, levem alimentos não perecíveis, que serão entregues a "comedores sociais" das redondezas de cada loja.
"Comedores sociais" é um nome menos ultrajante que "sopão dos pobres", que a América Latina conhece tão bem mas que não se espera encontrar na rica Espanha, a quinta maior economia da Europa.
Não que não houvesse pobreza na Espanha antes da crise. Não que não houvesse favelas, aqui chamadas "chabolas". Mas eram situações localizadas, que, em geral, afetavam imigrantes, e ficavam longe dos olhos do grande púbico.
Agora, no entanto, a pobreza e os "comedores sociais" ficam "a algumas ruas daqui", informa a Vips, que não se instala nas Paraisópolis da Espanha ou nas Rocinhas, se é que existe algo parecido por aqui.
A pobreza se incrustou, pois, na pele de uma Espanha torturada por receitas de ajuste que só aprofundam a recessão e, até agora, não ajudaram a reduzir a dívida pública, que é a grande preocupação dos donos do capital, pouco ou nada interessados em "mesa para todos", a não ser que sejam os seus.
A essa crueldade intrínseca a programas como os que vêm sendo aplicados na Europa, soma-se agora a confissão de que a dose foi exagerada, pelo menos em relação à Grécia, contra a qual o assanhamento foi brutal.
As novas condições que a União Europeia e o Fundo Monetário Internacional estão oferecendo à Grécia (prazo maior para reduzir a dívida, juros menores e, logo mais, algum tipo de perdão da dívida contraída com o setor público também, a exemplo do que se fez com os credores privados) -tudo isso era pedido desde o princípio por gente sensata e nada revolucionária.
O governo norte-americano, por exemplo, insistiu, desde o princípio da crise, que o urgente era estimular a economia, deixando o ajuste fiscal para o médio e longo prazo (tese também da presidente Dilma Rousseff, mas se nem Obama foi ouvido, imagine então um país ainda periférico como o Brasil).
Agora, o jornal "El País" diz, em editorial de ontem sobre as novas condições para a Grécia, que "é legítimo perguntar o que teria ocorrido se, desde o princípio, as condições do resgate europeu tivessem sido mais favoráveis aos credores".
Não é preciso ter pós-graduação em economia para supor que o desastre econômico e social teria sido menos duro. A Grécia não precisaria ter sofrido em cinco anos uma queda de 21,6 pontos percentuais em sua economia -porcentagem de país em guerra ou vítima de fenômenos naturais devastadores.
Vale para a Grécia, vale para a Espanha, até porque, nesta última, o desemprego é ainda maior (25,1% este ano, contra 23,6% na Grécia, de acordo com as mais recentes projeções da Comissão Europeia).
Como a previsão indica que o desemprego na Espanha aumentará ainda mais no ano que vem, chegando a obscenos 26,6%, o programa "Mesa para Todos" terá que ser estendido também para o Natal de 2013.
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