26/11/2012 - 06h55, Folha de S.Paulo
Criar, reproduzir e distribuir informação, cultura, arte e ciência são hoje atividades que os dispositivos da sociedade da informação em rede colocam nas mãos das pessoas.
Um smartphone tem a potência computacional de todo o Programa Apollo de 1969 e nada menos que 20 milhões de brasileiros possuem um aparelho desses, que funciona em rede.
Isso não quer dizer, é claro, que qualquer conjunto de garagem pode tornar-se Rolling Stones ou que basta postar seus escritos num blog para converter-se em Paulo Coelho.
Mas, contrariamente ao que ocorreu de forma predominante desde o século 19, submeter seu talento aos que controlam os meios de produção da cultura, da informação e da ciência não é a condição para que a criação possa ver a luz do dia.
Hoje as pessoas se informam em redes sociais, e a importância do You Tube no lançamento de novos artistas é crescente. No campo da ciência, as mais prestigiosas revistas brasileiras e internacionais abrem amplo acesso ao que fazem os pesquisadores, como mostra, por exemplo, o Scielo.
As transformações que as mídias digitais trouxeram para o mundo da cultura, da informação e da ciência atingem agora a própria produção material. Ou, como diz o recém-lançado e indispensável livro de Chris Anderson -"Makers, The New Industrial Revolution"/New York, Crown Business), a revolução digital chegou à oficina.
Isso abre caminho para que se altere o próprio sentido do empreendedorismo no mundo contemporâneo. É verdade que a concepção dos produtos industriais já é feita há quase duas décadas por meio de técnicas computadorizadas e isso vai da agricultura de precisão ao controle de materiais na construção civil. Mas, até aqui, trata-se de um mundo fechado, em que criar e colocar os produtos no mercado depende de investimentos tão poderosos que só podem ser viabilizados por produção massificada.
A novidade anunciada por Chris Anderson vai além das inovações tecnológicas que o computador trouxe à era industrial e isso se exprime em três mudanças decisivas: a criação de bens materiais torna-se acessível a indivíduos; as mais promissoras inovações vêm de redes sociais; e o poder sobre o que é oferecido aos consumidores está cada vez menos nas mãos dos que detêm os grandes meios de produção e troca.
A revolução das redes extrapola o mundo virtual e entra na produção material.
Micro e pequenas empresas sempre foram, no mundo todo, fonte importante de geração de emprego e renda. A última pesquisa do Sebrae sobre o tema mostra que 27 milhões de adultos no Brasil vivem de pequenos e micro negócios.
Mas, na maior parte das vezes, esses negócios confinam-se a setores de baixa produtividade, intensivos em trabalho e pouco expostos à concorrência internacional.
Lavanderias, pequeno comércio, pizzarias e empresas de motoboy são talvez suas expressões mais emblemáticas. Essa associação entre empreendimentos de pequena escala e atraso tecnológico começa agora a ser superada.
A primeira característica daquilo que Chris Anderson não hesita em chamar de nova revolução industrial é a possibilidade individual de conceber e fabricar com eficiência bens que até recentemente só podiam sair de grandes unidades fabris.
Trinta anos atrás, ninguém podia imaginar a impressão de um livro fora de uma gráfica profissional. Hoje, as impressoras a laser e o manuseio das fontes, dos layouts de páginas e das técnicas de revisão, que eram detidas por profissionais especializados, estão banalizadas.
Isso começa a ocorrer no mundo da produção material com dispositivos como as impressoras em três dimensões e as máquinas de corte a laser. Os preços desses aparelhos já se tornam acessíveis à aquisição individual e o que eles podem fazer de maneira competitiva vai-se diversificando.
A revolução trazida por este barateamento está no fato de se borrarem as fronteiras entre o inventor e o empreendedor. Conceber algo não exige necessariamente submeter sua ideia a um empresário fabricante para que o invento possa se concretizar. O que ocorre no mundo da cultura, no universo dos bits, chega ao mundo da matéria, ao universo dos átomos.
Tão importante quanto essa desconcentração dos meios de produção a que as mídias digitais virtualmente dão lugar é a unidade entre o computador e a internet, ou seja, o fato de que a criação e as inovações funcionam em rede.
Até 30 anos atrás, a principal preocupação do inventor era patentear sua criação, o que lhe trazia custos imensos e benefícios duvidosos. Hoje, a primeira iniciativa do criador não é patentear e sim publicar, difundir. É daí (e não dos controles administrativos) que virá não só o reconhecimento do seu talento, mas a interação com base na qual ele poderá aprofundar sua aprendizagem e mesmo seus ganhos econômicos.
Inovação em rede está na raiz de novas iniciativas de formação da mão-de-obra e seria fundamental que organizações como o Senais, o Sebrae o Ministério do Trabalho estudassem os FabLab (laboratórios de fabricação ou laboratórios fabulosos), que, muito mais do que formar trabalhadores para a indústria, ensinam os jovens a utilizar técnicas digitais e a operar em rede para participar deste extraordinário movimento social por muitos chamados de internet das coisas.
A cidade de Shangai, por exemplo, está implantando uma centena desses laboratórios e já existem mais de mil deles pelo mundo afora, inspirados pelo mais importante centro universitário de inovação no mundo, o norte-americano MIT.
Isso não significa, é claro, que a produção de massa vai simplesmente desaparecer. Mas da mesma forma que a internet aboliu a passividade do expectador e do ouvinte e fez da interação e da mistura (do Remix) a base da cultura contemporânea, essa nova revolução industrial pode fazer da colaboração social em rede o principal fundamento da criação de riqueza das sociedades atuais.
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