8 de novembro de 2013

Uma nova reforma do ensino?, Paulo Nathanael Pereira de Souza


07 de novembro de 2013 | 2h 08

 O Estado de S.Paulo
Todos sabem que a educação brasileira como um todo atravessa dias difíceis, dada a sua comprovada incapacidade para formar bem as novas gerações, instrumentando-as devidamente para o seu enfrentamento com os desafios da Era do Conhecimento, em que se vive hoje. Mas se o panorama é desolador da pré-escola à pós-graduação, a gravidade maior concentra-se na educação básica (ensinos fundamental e médio), como vêm atestando as avaliações nacionais (Ideb, Enem) e internacionais (Pisa, Unesco), nas quais se constata que os nossos jovens chegam ao final dos cursos sem aprender a ler, com compreensão e proveito, textos simples de livros, jornais e revistas nem a fazer uso adequado das operações aritméticas (o que dizer das geométricas e trigonométricas?).
Mais grave fica esse quadro quando se sabe que tal nível da educação deveria ser o mais qualificado, por ser obrigatório para todos os brasileiros. Para a maioria da população será essa a única escolarização formal pelo resto da vida. Assim sendo, ou se qualifica essa educação básica com urgência ou o Brasil dificilmente chegará às suas aspirações nacionais de democracia plena, desenvolvimento sustentado e justiça social amplificada. Como remédio para esses males há quem defenda a superveniência de uma nova reforma global do ensino.
Será realmente esse o caminho a tomar? Porque, das muitas reformas que por aqui se fizeram no século 20, incluindo as quatro Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDBs) - a de 1961, a de 1968, a de 1971 e a de 1996 -, quase nada chegou às salas de aula para proveito e qualificação da aprendizagem. Na verdade, seria possível, a nosso ver, melhorar consideravelmente a qualidade de desempenho do sistema tomando algumas medidas de emergência, no lugar das complexas reformas que, pelas polêmicas que provocam no Congresso Nacional, têm levado até decênios para ser aprovadas.
Uma dessas medidas inadiáveis diz respeito à formação de professores para a educação básica. Afinal, têm sido eles heróis frustrados que se extenuam no cumprimento do dever sem a alegria de desfrutar as recompensas que lhes seriam devidas. Tem-se assistido ultimamente a mudanças radicais pelo mundo afora, notadamente no que se refere à dominância da ciência e da tecnologia no campo do conhecimento. Apesar disso, a educação no Brasil persiste em sua fidelidade aos modelos antigos e resiste à modernização de seus currículos e processos didáticos: em vez de formar as novas gerações com vista ao futuro, ela o faz com ênfases indevidas no passado. E isso tem muito que ver com a estrutura e o funcionamento dos cursos de licenciatura, que formam, em nível universitário, os professores dos ensinos fundamental e médio. Haveria que inseri-los na modernidade temática trazida pelas mudanças acima apontadas e, também, em novas modalidades didáticas, como as nascidas do avanço havido no campo da comunicação, com a valorização da imagética sobre a textualidade.
Todos os inquéritos da mídia feitos com alunos do ensino básico acerca das razões por que são reprovados ou se evadem dos cursos, com destaque para o nível médio, revelam a presença do termo "desinteresse" nas respostas dadas aos questionários. À vista de situações como essas, que se agravam continuamente, impõe-se promover com urgência uma ampla mudança nos cursos de Pedagogia, que poderiam, por exemplo, teorizar menos sobre doutrinas pedagógicas - tema mais apropriado para as pós-graduações - e dedicar maior carga horária às práticas de ensino.
É ler sobre como se formam os mestres da Finlândia e da Coreia do Sul - os dois países mais adiantados em educação do mundo atual - e verificar que nenhum professor por lá sai da faculdade sem levar consigo o domínio desses instrumentos essenciais ao desempenho produtivo na arte de ensinar. São estas as duas principais queixas dos jovens em relação às suas escolas: 1) A falta de expertise dos professores em relacionar o aspecto teórico com o prático no ensino de sua disciplina; e 2) o excesso de discurso e a ausência da ajuda do "e-learning" nos processos didáticos em sala de aula.
Haveria que acrescentar a necessidade de dar ênfase durante o curso de licenciatura ao desenvolvimento pelos mestres da habilidade de os alunos, no uso continuado de um autodidatismo extraescolar, dominarem a pesquisa informatizada, na busca dos saberes de que necessitem para seu melhor convívio com as novidades tecnológicas da era atual.
Não será demais lembrar que qualquer dessas mudanças de nada valerá se não for acompanhada de uma atenção especial a ser dada à condição profissional e salarial do professor, hoje reduzido a um "proletário do giz", conforme a feliz expressão usada em artigo publicado pelo Estadão e assinado por Alfredo Bosi. Porque só haverá interesse das melhores cabeças pelo exercício do magistério se as remunerações passarem a ser minimamente atrativas e dignas. Vale aqui lembrar, com um toque de humor, aquela antiga figura do "chupim" (senhores sem profissão que se casavam com professoras, então bem remuneradas, para viverem confortavelmente). Urge criar condições para que ressurjam os "chupins"...
É claro que não serão essas as únicas medidas necessárias para a superação da crise educacional do Brasil. Mas que seriam um bom começo, isso seriam! Até porque uma nova reforma envolvendo todos os graus de ensino não só arrastaria no tempo as deficiências hoje vigentes no setor, como ainda estaria sujeita a uma demorada maturação - segundo A. M. Huberman, no seu estudo Como se Realizam as Mudanças em Educação (Editora Cultrix, 1973, SP), as inovações em educação levam um tempo que vai de 10 a 20 anos para serem devidamente aceitas pelo sistema.
*Paulo Nathanael Pereira de Souza é educador e presidente da Academia Paulista de Educação. 

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