4 de março de 2010





Alunos mostram talento






O conhecido educador e pesquisador, Professor Isaac Roitman, concedeu entrevista ao site da Associação Nacional dos Amigos da Educação em 18 de fevereiro de 2010
por Francisco G. Nóbrega, Marina Pasetto Nóbrega e Ricardo Faria


ANAE - Temos no Brasil um problema central ou muitas deficiências na educação, considerando os ciclos fundamental e médio? - Isaac Roitman - A resposta é sim, temos um problema central e, como conseqüência, muitas deficiências no ensino fundamental e médio. O problema central é que a qualidade da educação nunca foi considerada prioridade por nenhum governo. Talvez nos discursos ou na teoria, a educação tem sido colocada como prioritária. Na prática não. É absolutamente necessária uma política de estado para a educação. As modificações são gradativas, para modificar o atual panorama na educação brasileira serão necessárias ações por décadas.

Considerando o atual contexto de desenvolvimento de conhecimentos e as rápidas mudanças da sociedade, essas ações devem ser trabalhadas em várias dimensões: 1. Objetivos para cada ciclo de ensino; 2. Formação sólida e continuada de professores; 3. Reconhecimento social da atividade docente (salário), condições de trabalho adequadas e carreira docente baseada na qualidade de resultados obtidos; 4.Definição e atualização do conteúdo curricular; 5. Utilização de recursos pedagógicos modernos e permanentemente atualizados; 5. Ambiente educacional adequado, com recursos compatíveis com o processo pedagógico; 6. Gestão escolar permanentemente avaliada; 7. Relação estreita com os pais ou responsáveis e com a comunidade; 8. Avaliação constante de todo o sistema de ensino visando a melhoria da aprendizagem.

Seria bom desenvolver um sistema de monitoramento que identifique, no ensino público e privado, programas de impacto incontestável nos níveis da unidade escolar, municipal, estadual e federal? - Tanto no ensino básico público como no privado temos bons exemplos, embora pontuais, de iniciativas de boa qualidade no ensino básico fundamental e médio. É importante a identificação e o estudo dessas boas experiências no sentido de utilizá-las na construção de um sistema nacional de educação cujo objetivo seria a conquista da qualidade para todos, independente da classe social ou localização geográfica da escola. Atualmente, o sistema federal é responsável por pequena parte do ensino básico. No que diz respeito ao ensino fundamental a responsabilidade maior é do município. No caso do ensino médio a responsabilidade é do governo estadual. As administrações municipais, estaduais e federais são transitórias e sujeitas a programas que podem estar ligados a política partidária e que dificultam a concretização de projetos de longo prazo. Apesar da responsabilidade da coordenação da educação brasileira ser uma missão do governo federal (Ministério da Educação), existem dificuldades na interlocução entre a governança municipal, estadual e federal. Dessa forma, deveria haver um sistema educacional nacional que acolheria a cultura e a diversidade regional. Esse sistema garantirá uma educação de qualidade aos jovens brasileiros. Esse sistema teria aperfeiçoamento permanente nas dimensões mencionadas na resposta à primeira pergunta.

Pode comentar a questão da disciplina entre os estudantes e sua relação com o grau de participação dos pais na vida escolar dos filhos? - A indisciplina e a violência vem aumentando no ambiente escolar do Brasil. Essa tendência tem vários fatores, já que o comportamento dos jovens é influenciado pelo meio em que vivem. Numa sociedade em que a lei é desrespeitada, em que certos setores se beneficiam da impunidade, em que mentiras são divulgadas como verdades, com um grande número de famílias desestruturadas, com a banalização da relação e respeito entre os seres humanos e desses com a natureza e outras mazelas sociais, não é surpreendente a crescente indisciplina no ambiente escolar. Os fatores que contribuem podem ser considerados como conseqüências do nosso fracasso na educação. Dessa forma, é preciso quebrar esse ciclo perverso e conquistar um virtuoso. A priorização da educação como política de estado e a participação ativa dos pais na vida escolar é fundamental para termos uma inflexão na curva da qualidade da educação brasileira.

O salário de um profissional, de certa maneira, sinaliza a importância que a sociedade confere à sua contribuição. Neste contexto, como fica a questão salarial dos docentes da escola pública do ensino fundamental e médio? - Trata-se de um problema central. Nos países que possuem uma educação de qualidade (Finlândia, Coréia do Sul, Noruega, e outros) o salário de um professor de ensino básico está entre os melhores da carreira pública. Isso significa a valorização social da função do professor nos primeiros anos de escolaridade. No Brasil a situação é inversa. Os docentes do ensino básico possuem uma faixa salarial aviltante. Como exigir ou manter o entusiasmo de um professor sem que ele possa ter uma vida digna? Não há solução mágica ou milagrosa. Ele necessita do reconhecimento da sociedade. Por outro lado, o aumento salarial de forma substancial, de uma hora para outra, não resolveria o problema, além de ser inviável sob o ponto de vista da administração da economia pública. O que deve ser feito é um reconhecimento social permanente e gradativo do professor, até que atinja o topo salarial da função pública. Nesse cenário conseguiremos atrair à docência do nível básico as melhores vocações e talentos da nossa juventude vinda do ensino superior.

Frente à pergunta anterior, como situar a questão da aferição do nível de preparo do professor, considerando que a sociedade deve se articular para garantir não apenas direitos mas também deveres? A polêmica prova de avaliação dos professores, feita no Estado de São Paulo, coloca em questão a formação continuada dos professores. Como encaminhar soluções para este problema? - Uma parte do corpo docente que atua no ensino básico tem uma formação inadequada ou sem formação. A formação e a utilização dos métodos pedagógicos não se atualizaram. Os professores são formados para ensinar como há trinta anos quando eram praticamente a única fonte onde os estudantes podiam adquirir novos conhecimentos. O aluno de hoje e principalmente do futuro tem, e terá cada vez mais, outras formas.

É absolutamente fundamental ter professores preparados e atualizados para o ensino básico. Cada vez mais, estudantes do curso médio e universitário assistem a uma determinada aula e constatam estarem mais atualizados do que o professor a quem não se pode culpar pela situação.

O avanço do conhecimento é exponencial, mas o professor, com uma grande carga horária em sala de aula, não consegue se atualizar, isso precisa mudar. O professor deve ser avaliado periodicamente, não para ser penalizado, mas para que melhore seu desempenho.

O professor do futuro - o novo professor - será preparado de maneira atualizada com a responsabilidade de ser um grande incentivador dos jovens para que tenham uma educação libertária, munidos de recursos cognitivos importantes, para desenvolver criatividade e capacidade crítica. Uma enorme ajuda na hora da decisão frente aos problemas de seu tempo.

A avaliação, feita de preferência por entidades que não estejam envolvidas no ensino, deverá ser feita de forma profissional, com o objetivo maior de aumentar a qualidade da educação.

Como avalia as iniciativas de criar escolas públicas que oferecem múltiplas opções e permitem maior tempo de permanência aos alunos como fez Brizola no Rio e Marta Suplicy em São Paulo? - Infelizmente vivemos numa época em que a educação informal, isto é, a fora da escola, deixa muito a desejar. A maioria dos estudantes do ensino básico tem uma carga horária escolar de poucas horas durante cinco dias na semana. Dessa forma, a influência negativa da educação não escolar é devastadora (por ex. excesso de tempo assistindo televisão). O ensino em tempo integral, preconizado por Darcy Ribeiro e implementado por Leonel Brizola no Rio de Janeiro, deveria estar disponível aos jovens. Um maior tempo de permanência na escola básica, se bem conduzido, será um instrumento importante para ampliar o conhecimento e promover a construção de valores morais e éticos fundamentais no relacionamento humano e com a natureza.

Como o programa que lançou em novembro de 2009, com diversos apoios da SBPC e outros, pretende contribuir para resolver nosso dilema de atraso educacional? - A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência constituiu em 2008 um Grupo de Trabalho de Educação que trabalhou o movimento: “SBPC: Pacto pela Educação” lançado em 13 de novembro de 2009, tendo como base a articulação de vários setores da sociedade para elaborar propostas de curto, médio e longo prazo objetivando a qualidade da educação para os brasileiros. Essas propostas serão encaminhadas a esse e aos futuros governos nas próximas décadas. A implantação das propostas, será acompanhada e avaliada pelo conjunto das entidades participantes.

Até o momento, participam do movimento algumas entidades representativas de vários segmentos da sociedade: 1. Estudantil (União Nacional dos Estudantes – UNE, União Nacional do Estudantes Secundaristas (UBES) e Associação Nacional de Pós-Graduando – ANPG); 2. Comunidade científica (Academia Brasileira de Ciências – ABC e Sociedades Científicas); 3. Universidades públicas federais (Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais do Ensino Superior (Andifes); 4. Trabalhadores da Educação (Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação – CNTE); 5. Empresarial (Confederação Nacional das Indústrias – CNI); 6. Movimentos educacionais (Todos pela Educação, Movimento Educacionista, Campanha Nacional pelo Direito à Educação).

As várias entidades mencionadas tem agendas distintas e eventualmente pressão de corporações. Ademais o número de interessados é grande. Será possível conseguir uma ação sinérgica entre os participantes no sentido de encaminhar as ações que possam sanar as deficiências elencadas na resposta à primeira pergunta, sem que se crie uma torre de Babel? Não poderíamos ter uma comissão que verifique, como a Coréia do Sul e outros países, que conseguiram implementar uma renovação educacional de sucesso, trabalharam para identificar o que poderia funcionar entre nós? - O Grupo de Trabalho da SBPC foi inicialmente constituído por pessoas experientes no campo da educação: Ennio Candotti (UEA/ ex-presidente da SBPC), Luis Carlos Menezes (USP/Especialita no ensino de ciências (física) no ensino básico), Carlos Roberto Jamil Cury (UCMG/ ex-presidente da CAPES e relator das diretrizes do ensino básico do Conselho Nacional de Educação), Lisbeth Cordani (USP / representando a diretoria da SBPC no GT), Roberto Maculan (UFRJ/ ex-secretário de ensino superior do MEC e representante da SBPC na Conferência Nacional de Educação), Isaac Roitman (UnB /coordenador do GT). Esse grupo inicial delineou os primeiros trabalhos e estratégias do Movimento: “SBPC: Pacto pela Educação”. Paralelamente foram feitos contatos outros setores da sociedade brasileira para integrar o Movimento e para indicarem representantes para integrar o GT. Atualmente o GT conta com representantes dessas entidades: Luiz Davidovich (representante da Academia Brasileira de Ciências), Manoel Marcos Maciel Formiga (representante da Confederação Nacional da Indústria), Denilson Bento da Costa (representante da Confederação Nacional de Trabalhadores da Educação), Elisangela Lizardo de Oliveira (representante estudantil: UNE, UBES e ANPG) e Mozart Neves Ramos (representante do Movimento Todos pela Educação). Esse grupo de pessoas, apesar de representarem setores diversos, com agendas distintas, têm um objetivo comum que é a de conquistarmos a qualidade de educação em todos os níveis para os brasileiros. Certamente que as boas experiências na educação brasileira e os sucessos obtidos em vários países na conquista da qualidade da educação serão estudados e incluídos nas propostas que estão sendo construídas. O Movimento analisará as proposições da Conferência Nacional de Educação, a ser realizada em março de 2010, que incorporará, em suas propostas, aquelas que considerarmos prioritárias e indispensáveis.

Vivemos em um estado laico segundo a constituição. Mas é comum encontrar símbolos religiosos nas escolas, em áreas da administração ou em salas de aula. O que acha desta prática? - O Brasil é um estado laico. Assim sendo, os símbolos religiosos não deveriam ser utilizados nas escolas públicas. No entanto, o Estado laico não deve ser confundido com o Estado anti-religioso. A Constituição Federal consagra o direito fundamental à liberdade de religião. A utilização de símbolos religiosos em ambientes de escolas confessionais, (católicas, presbiterianas, judaica e outras), é legitima.

Parece haver uma lacuna na lei que, ao garantir a liberdade religiosa, não menciona a liberdade de ser não-religioso. Esta anomalia é patente no preâmbulo da Constituição de 1988 que termina com a seguinte declaração: "promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL." No entanto, cerca de 7% da população brasileira é de não-religiosos. Seriam eles os novos excluídos da sociedade? - Felizmente vivemos um clima de tolerância política, filosófica e religiosa. Apesar da Constituição de 1988 não mencionar explicitamente “a liberdade de ser não religioso”, a meu ver os incisos VI e VIII da artigo 5 da constituição brasileira (1988) permitem a interpretação da liberdade de não ter religião nos termos da “liberdade de consciência” (inciso VI) e “convicção filosófica” (inciso VIII) (“VI. – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantia, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a sua liturgias;”/ “VIII – “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei:”).

Como estimular, no ambiente escolar, conhecimentos, hábitos e a capacidade crítica necessárias também à cidadania. - Uma estratégia importante para estimular a aquisição de conhecimentos, hábitos e a capacidade crítica, seria a introdução de educação científica nos primeiros anos da escolaridade; - Segundo Carl Segan “todos começamos como cientistas: todas as crianças possuem a base de um cientista que é a curiosidade frente o desconhecido”. Manter essa curiosidade é uma grande responsabilidade, uma extraordinária oportunidade oferecida aos pais e professores. Um ambiente para ensino de ciências não deve ser simplesmente um local onde os estudantes são alfabetizados nos principais conceitos e terminologia. Na realidade, deve ser um ambiente onde o aluno aprende a formular uma pergunta, testar hipóteses e articular idéias com a informação. A educação científica em conjunto com a educação social e ambiental oferece a oportunidade às crianças explorarem, entenderem o que existe ao seu redor nas diferentes dimensões: humana, social e cultural. A educação científica desenvolve habilidades, define conceitos e conhecimentos, estimula a criança a observar, questionar, investigar e entender, de maneira lógica, os seres vivos, o meio em que vivem e os eventos do dia a dia. Além disso, estimula a curiosidade, a imaginação e o entendimento do processo de construção do conhecimento.

Isaac Roitman é professor aposentado da Universidade de Brasília, membro titular da Academia Brasileira de Ciências, conselheiro e coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência / SBPC - iroitman@uol.com.br

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