3 de maio de 2010

Ortografia na internet:

cuidado com a patrulha do Twitter

John Metcalfe

O ator John Cusack costuma usar o iPhone para postar no Twitter e, da mesma forma que os personagens que costuma interpretar no cinema, seu estilo é rápido e descuidado: "Não estou muito acostumado com a coisa, e se existe um verificador ortográfico no iPhone, não sei como utilizá-lo", ele explicou em entrevista pelo telefone.

"Por isso, escrevo mais ou menos o que pretendo e envio ao Twitter sem me preocupar demais".

Uma das consequências da prática é que ele terminou por introduzir no idioma neologismos como "desjejub" e "hippócrita", e deu ao seu novo filme o literário título de "Hot Tube Tome Machine".

A maioria das pessoas que acompanham as suas mensagens ignora as gafes ortográficas. Mas um pequeno e no entanto ruidoso grupo de resmungões se queixa delas sem parar, dizendo ao astro que, por mais que admirem seu trabalho, ele com certeza poderia melhorar em termos de ortografia e gramática.

"Se você pretende fazer pronunciamentos políticos, deveria aprender como se soletra 'Paquistão', bem como todas as demais palavras", escreveu um dos seguidores de Cusack.

"A acidez dessas críticas era tamanha que, no começo, eu nem imaginava que as pessoas pudessem estar falando sério", comentou Cusack. "Por que, afinal, que diferença isso faz?"

Mas elas estão falando sério. Uma pequena e ruidosa subcultura emergiu no Twitter, formada por patrulheiros da gramática e do bom gosto que se dedicam a criticar os tweets alheios. São pessoas que criam algoritmos para farejar mensagens do Twitter que as desagradem - mensagens que contenham erros de ortografia, problemas na gramática ou escritas em CAIXA ALTA - e em seguida enviam mensagens críticas aos culpados pelos erros. Essas pessoas se consideram como guardiões de um código emergente de comportamento: a Twitiqueta.

"Seria agradável se as pessoas se preocupassem um pouco com a gramática, e escrevessem em minúsculas, para tornar a internet um pouco mais inteligente", diz um dos patrulheiros, Nate Fanaro, 28, programador de computador em Buffalo e usuário do Twitter com o apelido CapsCop (guarda-maiúsculas).

Em outubro do ano passado. Fanaro criou um programa simples que detecta mensagens escritas em maiúsculas, e envia automaticamente aos culpados mensagens ranzinzas como "não estamos no MySpace - trate de desativar o CapsLock". Até agora, ele já enviou mais de 130 mil desses lembretes antipáticos, entre os quais pelo menos 205 para uma mesma usuária, uma mulher de Cingapura. (Estranhamente, seus esforços não tiveram grande efeito).

"Algumas pessoas simplesmente não compreendem que é um desrespeito à etiqueta da internet digitar mensagens inteiras em maiúsculas", disse Fanaro.

Sim, ele e outros patrulheiros do Twitter despertam muitas reações adversas, o que costuma diverti-los. Fanaro oferece um número de telefone em sua página de perfil no Twitter, e sua secretária eletrônica está repleta de ameaças de morte e de mensagens ofensivas e com exagero de palavrões. Para fins de humor, ele de vez em quando mostra aos amigos no bar as mensagens que recebe.

Provocar uma reação iracunda parece ser o objetivo do exercício, em larga medida. GrammarCop, outro dos muitos patrulheiros que parecem estar no Twitter apenas para fiscalizar o texto alheio, recentemente levou uma bronca da atriz Kirstie Alley, a quem havia recomendado que usasse determinado verbo no plural, e não no singular. "Você está chapado?", respondeu Alley à crítica. "Você realmente fica perdendo seu tempo aqui esperando que as pessoas usem gramática incorreta? Vá arrumar o que fazer". (Um dos assessores de Alley afirmou que a atriz estava ocupada demais para comentar o assunto para este artigo).

Arrumar o que fazer parece ser a definição correta. Enquanto alguns de nós parecem viver apenas para servir como tema a programas de TV sobre perda de peso, outros encontram conforto no pedantismo. Os fãs de William Safire, um jornalista e estudioso do idioma inglês já falecido, talvez se recordem de um grupo de seus leitores conhecidos como "Gotcha! Gang", que gostava de acusar Safire por seus ocasionais erros na coluna semanal sobre o uso do inglês que ele escrevia para a The New York Times Magazine . O colunista certa vez descreveu esse grupo de leitores como "uma tribo renitente, obcecada com a precisão terminológica e sempre entusiástica quanto a apanhar os erros alheios".

O mesmo pode ser dito sobre a patrulha gramática do Twitter, cujos resmungos constantes contra suas vítimas criam certa tensão no ambiente e diálogo abertos do site.

"Sempre existe esse humor sarcástico no Twitter, que leva pessoas a ver alguma coisa que tenha sido postada de modo inocente por um usuário qualquer e responder a ela de uma maneira que só pode ser descrita como insultuosa", disse Lance Ulanoff, editor do site pcmag.com e frequente colaborador do Twitter.

"E o pior é que essas mensagens são muitas vezes reproduzidas em outras contas, o que leva muita gente a se sentir como se estivesse sendo vítima de chacota coletiva".

Entre as pessoas que riem e criticam os erros alheios está Jacob Morse, 27, um usuário que trabalha com projeto de interfaces gráficas, em Richardson, Texas. No ano passado, ele e alguns amigos criaram um site - Tweeting Too Hard - cujo objetivo principal é zombar de usuários do Twitter que pareçam se levar demasiadamente a sério.

Lá, os participantes podem divulgar mensagens falsamente humildes de Twitter tais como "dei um aumento à minha faxineira hoje, mesmo que ela não tenha pedido, como minha pequena contribuição pessoal para combater a recessão". Um dos comentaristas do site escreveu: "Esperemos que a faxineira tenha ficado agradecida a ponto de ignorar a condescendência biônica".

Cada um dos posts do site exibe links para a conta de Twitter do responsável pelo post original, o que pode levá-lo a perceber as zombarias. "Existe alguma coisa de inerentemente apreciável em submeter pessoas pretensiosas a alguma vergonha", diz Morse. (Um aviso a quem gosta de zombar: Morse recentemente se vangloriou no Twitter de ter sua foto tirada para este artigo).

Tentar impor normas de etiqueta no Twitter é basicamente pedir para ser chamado de idiota, mas as pessoas que o fazem não parecem se incomodar.

"Com o Twitter, em particular, o retorno é tão forte que e imediato que o seu ego recebe um afago muito especial, muito diferente do que um blog oferece", disse Xeni Jardin, sócio do site Boing Boing e usuário dos mais assíduos do Twitter. "O entusiasmo que uma pessoa sente quando está recebendo reações positivas é como despejar nutriente vegetal sobre ervas daninhas".

É difícil dizer, mas o número de contas do Twitter cujo objetivo parece ser o de criticar as deficiências alheias em gramática parece estar em alta. Entre os nomes mais mencionáveis estão Grammar Fail, Grammar Hero, Your Or Youre, Word Police e Spelling Police, bem como Español Malo. Um usuário chamado Twenglish Police patrulha os tweets australianos, e interfere nas conversas alheias para oferecer conselhos como "engaçado não é uma palavra, mesmo que a Apple use. Por nada".

"Não quero irritar ninguém", diz Tom Voirol, o responsável pela Twenglish Police, em Sydney. "Só gosto de apontar os problemas".

O que, na natureza humana, nos leva a sentir tão pouca gratidão por esse tipo de assistência? Barbara Bailey, 54, programadora de sites de Littleton, Colorado, opera o blog Twitter Fail, no qual zomba de tweets que considera estúpidos. Ela certa vez zombou de um sujeito que usava múltiplas contas no Twitter para postar as mesmas coisas.

"Ele começou a me ligar em todos os números de telefone associados a mim que foi capaz de encontrar, a ligar para os meus clientes, e depois convenceu alguém a dizer que era seu advogado e me telefonar", conta Bailey. Ela retirou o post sobre o sujeito.

Cusack, de sua parte, se recusa a ser silenciado. No começo de abril, ele lançou um ultimato, ameaçando que bloquearia o acesso à sua conta para qualquer pessoa que criticasse sua ortografia ou gramática. Não funcionou. As pessoas que começou a bloquear retornavam com novos pseudônimos, "e se comportavam como malucos e perseguidores obsessivos", diz Cusack.

Agora, o ator decidiu experimentar uma nova estratégia, como explicou em mensagem de e-mail: primeiro, soletra algumas palavras erroneamente de propósito, para irritar os críticos, e depois, "eu os bloqueio ao estilo carasco sem aviso!!".

The New York Times


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