by
Inventaram um novo "assassinato social": beber, entrar num carro e dizimar quem estiver passando
Nos Estados Unidos, o comum é um sujeito se encher de carabinas e rifles, invadir uma escola, atirar no máximo de pessoas que conseguir e terminar se matando também.
Os brasileiros estão inventando um tipo novo de "assassinato social". Consiste em beber bastante, entrar num carro -quanto mais caro e poderoso, melhor- e dizimar quem quer que esteja passando pela calçada.
Claro que uma notícia puxa outra. Não que o cretino tenha sido "influenciado" pelo atropelamento que leu no jornal (embora isso possa acontecer também).
Mas acontece de um caso específico atrair a atenção da população e os imediatamente seguintes acabarem entrando com mais destaque no noticiário, por força da coincidência.
Foi assim há alguns anos, quando se repetiram as cenas de motoristas bêbados guiando na contramão de rodovias como a Imigrantes ou a Fernão Dias.
Aquela moda, ao que tudo indica, passou. Os casos de Ferraris, BMWs, Land Rovers ou sei lá o quê subindo nas calçadas e matando gente se tornaram, entretanto, mais comuns -pelo menos, em regiões da cidade supostamente mais seguras e policiadas, como Pinheiros e Vila Madalena.
São regiões com muito trânsito também, e pelo menos isso poderia inibir o motorista embriagado de pisar tanto no acelerador. Começo a especular um pouco. Talvez os próprios congestionamentos sejam um motivo para esse comportamento assassino.
O feliz proprietário de uma máquina de grande potência, projetada para voar numa autobahn alemã, ou para enfrentar desafios "off-road" no deserto do Colorado, se vê, um belo dia, empacando a cada 15 metros num congestionamento da Rebouças. Sai por uma "via alternativa", como gostam de dizer no rádio, e encara o asfalto péssimo, as valetas, o catador de papel velho que se arrasta com sua carrocinha.
O motor, com toda sua potência acumulada, é um tigre enjaulado. Um mínimo de espaço à frente, eis que avança com ímpeto assassino. A solução não está nas faixas de pedestres, é claro. Desconfio até que a iminência de uma fiscalização mais rigorosa a esse respeito motivou inconscientemente alguns motoristas a um comportamento mais desenfreado do que de costume. Pedestres em liquidação. Aproveite enquanto é tempo.
Um dos últimos episódios de criminalidade automotiva, entretanto, pode jogar outras hipóteses na discussão. Na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, o jovem Pedro Henrique Santos furtou um ônibus e desembestou por 23 quilômetros. Só parou depois de ter batido em 18 carros. Estava bêbado e drogado, provavelmente, mas o que chama a atenção é a roupa que ele estava usando. O rapaz, que era estudante de direito, usava uma roupa de policial do Bope. Tinha saído de uma festa à fantasia; ao ser preso, chegou a dizer que era protegido da presidente Dilma Rousseff.
Fantasia é bem o termo. Com droga ou sem droga, está em jogo uma fantasia de poder. Nos Estados Unidos, o psicopata usa rifles para encenar algum tipo de vingança à moda de Rambo ou do faroeste.
Aqui, onde não é tão fácil comprar armas de grosso calibre, o carrão tipo tanque de guerra ou, na falta dele, um ônibus comum, dão conta do recado. O sujeito já fica sentado a uma altura muito superior à média. Assim como o atirador prefere mirar do alto de uma torre ou de uma colina, o matador motorizado enxerga seus semelhantes de cima para baixo. O mero pedestre talvez não baste. Com o aumento do poder aquisitivo da classe baixa, o carro popular pode se tornar, também, uma vítima apetecível.
Quem sabe, tudo não é fruto da prosperidade econômica? Por volta de 1950, os americanos pisavam fundo no acelerador e a ligação entre carro, bebedeira e morte estava no auge.
O pintor Jackson Pollock morreu disso, em 1956, matando também uma moça que pegava carona com ele. Talvez mais impressionante, anos antes, tenha sido o caso do poeta Robert Lowell, que dirigia bêbado ao lado da escritora Jean Stafford, por quem estava apaixonado. Já tinha ameaçado matá-la e suicidar-se caso ela não consentisse com o casamento.
Ela tentou resistir; ele arremeteu o carro contra um muro. O acidente desfigurou o rosto da moça. Casaram-se depois disso, amargando dez anos de infelicidade mútua, sem sexo. Não é regra geral, claro. Mas dá o que pensar tanta confiança na potência do motor.
coelhofsp@uol.com.br
Nos Estados Unidos, o comum é um sujeito se encher de carabinas e rifles, invadir uma escola, atirar no máximo de pessoas que conseguir e terminar se matando também.
Os brasileiros estão inventando um tipo novo de "assassinato social". Consiste em beber bastante, entrar num carro -quanto mais caro e poderoso, melhor- e dizimar quem quer que esteja passando pela calçada.
Claro que uma notícia puxa outra. Não que o cretino tenha sido "influenciado" pelo atropelamento que leu no jornal (embora isso possa acontecer também).
Mas acontece de um caso específico atrair a atenção da população e os imediatamente seguintes acabarem entrando com mais destaque no noticiário, por força da coincidência.
Foi assim há alguns anos, quando se repetiram as cenas de motoristas bêbados guiando na contramão de rodovias como a Imigrantes ou a Fernão Dias.
Aquela moda, ao que tudo indica, passou. Os casos de Ferraris, BMWs, Land Rovers ou sei lá o quê subindo nas calçadas e matando gente se tornaram, entretanto, mais comuns -pelo menos, em regiões da cidade supostamente mais seguras e policiadas, como Pinheiros e Vila Madalena.
São regiões com muito trânsito também, e pelo menos isso poderia inibir o motorista embriagado de pisar tanto no acelerador. Começo a especular um pouco. Talvez os próprios congestionamentos sejam um motivo para esse comportamento assassino.
O feliz proprietário de uma máquina de grande potência, projetada para voar numa autobahn alemã, ou para enfrentar desafios "off-road" no deserto do Colorado, se vê, um belo dia, empacando a cada 15 metros num congestionamento da Rebouças. Sai por uma "via alternativa", como gostam de dizer no rádio, e encara o asfalto péssimo, as valetas, o catador de papel velho que se arrasta com sua carrocinha.
O motor, com toda sua potência acumulada, é um tigre enjaulado. Um mínimo de espaço à frente, eis que avança com ímpeto assassino. A solução não está nas faixas de pedestres, é claro. Desconfio até que a iminência de uma fiscalização mais rigorosa a esse respeito motivou inconscientemente alguns motoristas a um comportamento mais desenfreado do que de costume. Pedestres em liquidação. Aproveite enquanto é tempo.
Um dos últimos episódios de criminalidade automotiva, entretanto, pode jogar outras hipóteses na discussão. Na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, o jovem Pedro Henrique Santos furtou um ônibus e desembestou por 23 quilômetros. Só parou depois de ter batido em 18 carros. Estava bêbado e drogado, provavelmente, mas o que chama a atenção é a roupa que ele estava usando. O rapaz, que era estudante de direito, usava uma roupa de policial do Bope. Tinha saído de uma festa à fantasia; ao ser preso, chegou a dizer que era protegido da presidente Dilma Rousseff.
Fantasia é bem o termo. Com droga ou sem droga, está em jogo uma fantasia de poder. Nos Estados Unidos, o psicopata usa rifles para encenar algum tipo de vingança à moda de Rambo ou do faroeste.
Aqui, onde não é tão fácil comprar armas de grosso calibre, o carrão tipo tanque de guerra ou, na falta dele, um ônibus comum, dão conta do recado. O sujeito já fica sentado a uma altura muito superior à média. Assim como o atirador prefere mirar do alto de uma torre ou de uma colina, o matador motorizado enxerga seus semelhantes de cima para baixo. O mero pedestre talvez não baste. Com o aumento do poder aquisitivo da classe baixa, o carro popular pode se tornar, também, uma vítima apetecível.
Quem sabe, tudo não é fruto da prosperidade econômica? Por volta de 1950, os americanos pisavam fundo no acelerador e a ligação entre carro, bebedeira e morte estava no auge.
O pintor Jackson Pollock morreu disso, em 1956, matando também uma moça que pegava carona com ele. Talvez mais impressionante, anos antes, tenha sido o caso do poeta Robert Lowell, que dirigia bêbado ao lado da escritora Jean Stafford, por quem estava apaixonado. Já tinha ameaçado matá-la e suicidar-se caso ela não consentisse com o casamento.
Ela tentou resistir; ele arremeteu o carro contra um muro. O acidente desfigurou o rosto da moça. Casaram-se depois disso, amargando dez anos de infelicidade mútua, sem sexo. Não é regra geral, claro. Mas dá o que pensar tanta confiança na potência do motor.
coelhofsp@uol.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário