12 de outubro de 2011

Amartya Sen e Bernardo Klisberg: Nobel de Economia aponta caminhos para superar injustiças sociais


11 de outubro de 2011
 Folha.com | BR



Artigos tratam de alguns dos temas-chave deste novo século

da Livraria da Folha
Autor trata de temas relevantes do novo século, como globalização
O economista e filósofo indiano Amartya Sen ocupa posição de destaque no pensamento da economia moderna. Professor de Harvard, recebeu em 1998 o Prêmio Nobel de Economia por seu trabalho sobre a economia do bem-estar social, a partir do qual enfatiza a importância da distribuição de renda. Em "As Pessoas em Primeiro Lugar" (Companhia das Letras, 2010), os artigos de Amartya Sen apontam caminhos para superação de desigualdades sociais, sobretudo em países em desenvolvimento.
Reunidos na primeira parte do livro, os artigos e textos de conferência de Sen tratam de alguns dos temas relevantes do novo século, a começar pela globalização, e destrincham as desigualdades que atingem os sistemas de segurança social na maioria dos países.
Para o autor, a solução mais urgente deve ser baseada na reversão dos mecanismos de perpetuação da pobreza, como os booms econômicos.
O economista argentino Bernard Kliksberg figura na segunda parte do livro e investiga os gargalos sociais e econômicos do desenvolvimento da América Latina. Para Kliksberg, o problema central é a exclusão, que, enraizada, se manifesta de diversas formas: jovens ao mesmo tempo desempregados e sem ensino superior, violência urbana, populações indígenas e afro-americanas marginalizadas. A partir de suas análises, o autor fundamenta propostas de curto e longo prazo.
A seguir, leia um trecho da introdução do livro:
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Como Julgar a Globalização
A globalização é vista frequentemente como uma ocidentalização globalizada. Nesse ponto, tanto seus defensores quanto seus opositores estão substancialmente de acordo. Os que têm uma visão otimista da globalização a consideram uma contribuição maravilhosa da civilização ocidental para o mundo. Há uma história simpaticamente estilizada na qual os grandes desenvolvimentos mundiais aconteceram na Europa: primeiro veio a Renascença, depois o Iluminismo e então a Revolução Industrial, que proporcionaram uma grande melhoria dos padrões de vida no Ocidente. E, agora, as grandes conquistas do Ocidente estão se espalhando pelo mundo. Nessa visão, a globalização não é apenas boa, é também um presente do Ocidente para o mundo. Os entusiastas dessa leitura da história tendem a se sentir frustrados não só quando esse grande benefício é visto como uma maldição, mas também quando é desvalorizado e criticado pela ingratidão do mundo. Sob o ponto de vista oposto, o domínio do Ocidente - às vezes encarado como uma continuação do imperialismo ocidental - é o grande vilão da história.
De acordo com essa visão, o capitalismo contemporâneo, dirigido e liderado por países ocidentais ambiciosos e agressivos da Europa e da América do Norte, tem estabelecido regras de comércio exterior e relações de negócios que não atendem aos interesses das populações mais pobres do mundo. O louvor a diversas identidades não ocidentais - definidas por religião (como o islamismo fundamentalista), região (como a defesa dos valores asiáticos) ou cultura (como a glorificação da ética do confucionismo) - pode jogar mais lenha na fogueira do confronto do Oriente com o Ocidente.
Mas será que a globalização é mesmo uma nova maldição do Ocidente? Na verdade, ela nem é nova nem necessariamente ocidental; e não é nenhuma maldição. Por milhares de anos, a globalização tem contribuído para o progresso do mundo por meio da viagem, do comércio, da migração, da difusão de influências culturais e da disseminação do conhecimento e do saber (inclusive o científico e o tecnológico). Essas inter-relações globais têm sido, com frequência, muito produtivas no desenvolvimento de vários países. E não têm necessariamente tomado a forma de influência ocidental crescente. Na verdade, os agentes ativos da globalização não raramente se localizam bem longe do Ocidente. Como ilustração, considere o mundo no início do último milênio, em vez de no seu final. Por volta do ano 1000, o alcance global da ciência, da tecnologia e da matemática estava mudando a natureza do Velho Mundo, mas a disseminação naquela época era, em grande parte, na direção oposta da que vemos atualmente.
A alta tecnologia do mundo do ano 1000 incluía o papel, a tipografia, a balestra, a pólvora, a ponte suspensa por corrente de ferro, a pipa, a bússola, o carrinho de mão e a ventoinha giratória. Mil anos atrás, esses itens eram amplamente usados na China - e totalmente desconhecidos em qualquer outro lugar. A globalização tratou de espalhá-los por todo o mundo, inclusive pela Europa.
Um movimento similar ocorreu na influência do Oriente sobre a matemática do Ocidente. O sistema decimal emergiu e tornou-se bem desenvolvido na Índia entre os séculos II e VI e passou a ser usado por matemáticos árabes logo depois. Essas inovações matemáticas chegaram à Europa principalmente no último quarto do século x e passaram a exercer um impacto sobre os primeiros anos do milênio passado, desempenhando um papel importante na revolução científica que ajudou a transformar a Europa. Os agentes da globalização não são exclusivamente nem europeus nem ocidentais, nem são necessariamente ligados à dominação ocidental. De fato, a Europa teria sido muito mais pobre - econômica, cultural e cientificamente - se tivesse resistido à globalização da matemática, da ciência e da tecnologia naquela época. E, hoje, o mesmo princípio é aplicável, embora na direção oposta (do Ocidente para o Oriente). Rejeitar a globalização da ciência e da tecnologia porque ela representa a influência e o imperialismo ocidentais não apenas significa negligenciar as contribuições globais - vindas de várias partes do mundo - que estão solidamente por trás de toda ciência e tecnologia chamadas ocidentais, mas também é uma decisão bastante tola do ponto de vis ta prático, dada a extensão de quanto o mundo inteiro pode se beneficiar com o processo.
Uma Herança Global
Ao resistir ao diagnóstico da globalização como fenômeno de quintessência originalmente ocidental, precisamos suspeitar não apenas da retórica antiocidental, mas também do chauvinismo pró-ocidental em muitos textos contemporâneos. Certamente, a Renascença, o Iluminismo e a Revolução Industrial foram grandes conquistas - e ocorreram principalmente na Europa e, mais tarde, nas Américas. No entanto, grande parte desses desenvolvimentos baseou-se na experiência do resto do mundo, em vez de ter se confinado dentro das fronteiras de uma tímida civilização ocidental.
Nossa civilização global é uma herança do mundo - e não apenas uma coleção de culturas locais discrepantes. Quando um matemático moderno em Boston invoca um algoritmo para resolver um problema de cálculo difícil, ele pode não saber que está ajudando a homenagear o matemático árabe Mohammad Ibn Musa-al-Khwarizmi, que viveu na primeira metade do século IX (a palavra "algoritmo" deriva do nome al-Khwarizmi). Há uma corrente de relações intelectuais que unem a matemática e a ciência ocidentais a uma quantidade de estudiosos distintamente não ocidentais, sendo al-Khwarizmi apenas um deles (o termo "álgebra" deriva do título de sua obra famosa Al-Jabr wa-al-Muqabilah). De fato, al-Khwarizmi é um dos muitos contribuintes não ocidentais cujas obras influenciaram a Renascença europeia e, mais tarde, o Ilumi nismo e a Revolução Industrial. O Ocidente merece crédito total pelas extraordinárias conquistas que ocorreram na Europa e na América europeizada, mas a ideia de uma concepção ocidental imaculada é pura fantasia da imaginação.
Não apenas o progresso da ciência e da tecnologia globais não é um fenômeno exclusivamente conduzido pelo Ocidente, co mo existiram desenvolvimentos globais da maior importância nos quais o Ocidente nem sequer esteve envolvido. A impressão do primeiro livro no mundo foi um evento maravilhosamente globalizado. A tecnologia da tipografia foi, claro, uma conquista inteiramente chinesa. Mas o conteúdo veio de outro lugar. O primeiro livro impresso foi um tratado indiano escrito originalmente em sânscrito e traduzido para o chinês por um meio turco. O livro Vajracchedika Prajnaparamitasutra (às vezes chamado de Sutra diamante) é um antigo tratado sobre o budismo; foi traduzido do sânscrito para o chinês no século v por Kumarajiva, um estudioso meio indiano, meio turco que viveu em uma parte do Turquistão Oriental chamada Kucha e que mais tarde emigrou para a China. A obra foi impressa quatro séculos depois, em 868 d.C. Todo esse processo envolvendo China, Turquia e Índia é com certeza globalização, mas o Ocidente não está nem mesmo à vista.
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"As Pessoas em Primeiro Lugar" Autores: Amartya Sen e Bernardo Kliksberg Editora: Companhia das Letras Páginas: 416 

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