11 de outubro de 2011

Ciência pura



Editorial da Folha de São Paulo de hoje (11).


Não se pode acusar a Fundação Nobel de ignorar aspectos práticos quando toma decisões sobre os premiados do ano nas áreas de medicina ou fisiologia, química ou física. Em anos recentes, os Prêmios Nobel da área científica laurearam descobertas que tiveram impacto direto no cotidiano, como os dados aos criadores da ressonância magnética e dos CCDs (dispositivos das câmeras digitais).

Em 2011, todavia, a fundação decidiu mudar, dando destaque a trabalhos típicos da pesquisa básica.

Isso vale mesmo para a área médica. O trio formado por Bruce Beutler, Jules Hoffmann e Ralph Steinman (este morto três dias antes do anúncio) fez descobertas importantes sobre o funcionamento do sistema de defesa do organismo, mas ainda não há aplicações relevantes no trabalho dos médicos.

Em física e química, a decisão de valorizar o avanço do conhecimento como um bem em si mesmo é ainda mais clara. As observações astronômicas dos americanos Saul Perlmutter, Brian Schmidt e Adam Riess mostraram que o Universo muito provavelmente está se expandindo de modo acelerado. Os cientistas, porém, ainda estão longe de explicar o porquê desse fenômeno intrigante - postulam que a causa se relacione com a misteriosa energia escura, cuja existência, por sua vez, ainda não se apoia nem em dados experimentais nem em confiança teórica.

Dan Shechtman, ganhador do prêmio de química, tampouco impulsionou inovações tecnológicas: seus quasicristais foram considerados dignos da láurea simplesmente porque mudaram a definição do que é um objeto sólido - e basta.

Num mundo em que as restrições orçamentárias ficam cada vez mais evidentes, seria frívolo proclamar uma variante científica da "arte pela arte". Mas as escolhas do Nobel salientam que a busca pelo conhecimento possui dinâmica própria e inesperada. Para os inventores do laser, o aparato era pouco mais que um fenômeno quântico interessante. Hoje é difícil imaginar uma tecnologia mais útil em vários campos de aplicação, da medicina ao entretenimento.

Entender a energia escura não significará a cura do câncer, mas poderá trazer frutos igualmente inesperados e relevantes - e, de todo modo, refinar a compreensão do lugar que ocupamos no Cosmos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário