clóvis rossi
janela para o mundo
Eis que minha morte volta a ser anunciada. Mais exatamente: o que se está anunciando (de novo) é a morte do jornalismo impresso. Mas, como esse ser querido tem sido a minha vida faz praticamente meio século, dá para dizer que sua morte é um pouco a minha morte, mesmo que já tenha participação no jornalismo eletrônico. Em breve, aliás, estarei em outro meio eletrônico, o portal do jornal espanhol "El País", todo um luxo.
Já houve um especialista norte-americano que emitiu o atestado de óbito do jornal-papel e botou até a data: 2043. Como, nesse ano, seria o do meu centenário, não me preocupei minimamente. Morrerei certamente antes do jornalismo impresso.
Agora, é Francis Gurry, chefe da Organização Internacional de Propriedade Intelectual, quem anuncia que, lá por 2040, já não haverá jornalismo impresso, só o digital.
Nos Estados Unidos, então, o óbito dar-se-á antes, em 2017. Gurry diz que, nos Estados Unidos, já se vendem mais edições digitais do que no papel. E, ainda por cima, há menos livrarias.
Sou o inimigo número 2 de previsões. O número 1 chama-se Marco Maciel, que foi vice-presidente da República e costumava remeter ao beque pernambucano Ananias sempre que lhe pediam que adivinhasse o futuro.
Segundo Maciel, o Ananias, ao ser perguntado pelos repórteres ao entrar em campo sobre o que esperava da partida, dizia que só fazia previsões sobre o passado.
É o meu ídolo, ainda mais que costumo errar até em previsões sobre o passado, o que dizer do futuro.
Feita essa ressalva, vale dizer que entendo a previsão, do ponto de vista econômico: cancelei minha assinatura da edição internacional de "El País", no papel, porque custava cerca de quatro vezes mais que a assinatura anual da edição digital.
Com uma vantagem para esta: carrego-a no meu IPad para onde vou. Nem preciso sair do hotel para ler o meu segundo jornal preferido, após a Folha, mesmo que esteja em uma cidade à qual o jornal, em papel, jamais chegou ou chegará.
Só há um pequeno problema, admitido abertamente por Francis Gurry: "Como os editores encontrarão recursos para pagar pelos artigos a serem publicados na edição eletrônica?".
Pois é, a verdade é a seguinte: o problema do jornalismo não é exatamente o modo em que ele é difundido, mas o modelo de negócio digital. Ninguém inventou até agora uma maneira de fazer dinheiro com jornalismo digital, dinheiro suficiente para pagar uma estrutura ao menos parecida com a do jornal-papel. E, sem ela, a coleta de informações empobrece na mesma proporção do encolhimento da máquina informativa.
Portanto, caro leitor, o problema é mais seu que meu. Eu já posso me aposentar e/ou sobreviver apenas do jornalismo eletrônico. Você pode sobreviver sem informações ou sem o volume, a qualidade e a diversidade que obtém hoje no papel?
janela para o mundo
05/10/2011
Minha morte anunciada - e a sua
Eis que minha morte volta a ser anunciada. Mais exatamente: o que se está anunciando (de novo) é a morte do jornalismo impresso. Mas, como esse ser querido tem sido a minha vida faz praticamente meio século, dá para dizer que sua morte é um pouco a minha morte, mesmo que já tenha participação no jornalismo eletrônico. Em breve, aliás, estarei em outro meio eletrônico, o portal do jornal espanhol "El País", todo um luxo.
Já houve um especialista norte-americano que emitiu o atestado de óbito do jornal-papel e botou até a data: 2043. Como, nesse ano, seria o do meu centenário, não me preocupei minimamente. Morrerei certamente antes do jornalismo impresso.
Agora, é Francis Gurry, chefe da Organização Internacional de Propriedade Intelectual, quem anuncia que, lá por 2040, já não haverá jornalismo impresso, só o digital.
Nos Estados Unidos, então, o óbito dar-se-á antes, em 2017. Gurry diz que, nos Estados Unidos, já se vendem mais edições digitais do que no papel. E, ainda por cima, há menos livrarias.
Sou o inimigo número 2 de previsões. O número 1 chama-se Marco Maciel, que foi vice-presidente da República e costumava remeter ao beque pernambucano Ananias sempre que lhe pediam que adivinhasse o futuro.
Segundo Maciel, o Ananias, ao ser perguntado pelos repórteres ao entrar em campo sobre o que esperava da partida, dizia que só fazia previsões sobre o passado.
É o meu ídolo, ainda mais que costumo errar até em previsões sobre o passado, o que dizer do futuro.
Feita essa ressalva, vale dizer que entendo a previsão, do ponto de vista econômico: cancelei minha assinatura da edição internacional de "El País", no papel, porque custava cerca de quatro vezes mais que a assinatura anual da edição digital.
Com uma vantagem para esta: carrego-a no meu IPad para onde vou. Nem preciso sair do hotel para ler o meu segundo jornal preferido, após a Folha, mesmo que esteja em uma cidade à qual o jornal, em papel, jamais chegou ou chegará.
Só há um pequeno problema, admitido abertamente por Francis Gurry: "Como os editores encontrarão recursos para pagar pelos artigos a serem publicados na edição eletrônica?".
Pois é, a verdade é a seguinte: o problema do jornalismo não é exatamente o modo em que ele é difundido, mas o modelo de negócio digital. Ninguém inventou até agora uma maneira de fazer dinheiro com jornalismo digital, dinheiro suficiente para pagar uma estrutura ao menos parecida com a do jornal-papel. E, sem ela, a coleta de informações empobrece na mesma proporção do encolhimento da máquina informativa.
Portanto, caro leitor, o problema é mais seu que meu. Eu já posso me aposentar e/ou sobreviver apenas do jornalismo eletrônico. Você pode sobreviver sem informações ou sem o volume, a qualidade e a diversidade que obtém hoje no papel?
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e domingos no caderno Mundo. É autor, entre outras obras, de "Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo e "O Que é Jornalismo".
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