10 de outubro de 2011

Jovens fogem de carreiras técnicas


10 de outubro de 2011
Educação no Brasil | Valor Econômico | Eu & Investimentos | BR

Rafael Sigollo
Conseguir atrair os jovens e convencê-los de que existem boas perspectivas na carreira técnica é o grande desafio das instituições de ensino profissionalizante de todo o mundo. A desinformação relacionada a esse tipo de atividade, somada aos poucos incentivos tanto por parte do governo quanto da iniciativa privada, resulta em uma falta de mão de obra qualificada generalizada.
Em sua 41ª edição, realizada na última semana em Londres, o Worldskills tenta suprir essa lacuna promovendo uma competição com a participação de cerca de mil estudantes de cursos técnicos de 51 países. Na opinião de John Quinn, responsável pela equipe da Irlanda do Norte no evento, um dos maiores problemas é que todo o sistema educacional favorece a carreira acadêmica. Os jovens, por sua vez, parecem estar interessados apenas em ganhar muito dinheiro rapidamente e acabam seduzidos pelos mercados financeiro e imobiliário. "Com a recessão, porém, o mundo percebeu que precisa de trabalhadores técnicos para fazer girar a economia, pois são eles que criam, desenvolvem e fabricam produtos", explica.
O diretor geral do Senai (Servico Nacional de Aprendizagem Industrial), Rafael Lucchesi, afirma que as escolas brasileiras formam seus alunos sob uma lógica "bacharelesca", mas somente uma pequena parcela dos jovens acaba se matriculando e concluindo, de fato, uma universidade. "O que o sistema educacional oferece é muito diferente do que a juventude e o país precisam", diz. Para ele, a mobilidade social não está diretamente ligada ao nível superior. "Quem tem formação técnica pode ascender como tecnólogo, por exemplo, e desenvolver toda a carreira a partir disso", conclui.
Para Luc Morin, líder da equipe canadense no evento, o rápido avanço da tecnologia nas duas últimas décadas "hipnotizou" os estudantes e ajudou a fazer com que eles deixassem de lado outras formações técnicas mais tradicionais. "Além disso, precisamos derrubar o mito de que essas são profissões mal pagas, sujas e fisicamente exaustivas", diz.
Acompanhando o time da Suécia no Worldkills, o ex-consultor do Ministério da Educação da Suécia, Erik Henriks, afirmou que é essencial dar boas condições de trabalho e possibilidade de desenvolvimento aos que se decidirem por uma carreira técnica. "Um país precisa tanto de médicos e advogados quanto de eletricistas e torneiros mecânicos."
O ideal, segundo Mark Callaghan, chefe da delegação da Austrália, é fazer com que os jovens conheçam todas as suas opções. Parte dessa responsabilidade, no entanto, cabe aos pais. "Eles precisam abrir o leque e não insistir para que seus filhos se tornem apenas doutores e executivos. Sem dúvida esse é um ótimo caminho, mas não para todos", ressalta.
Callaghan afirma que a falta de mão de obra qualificada é global. "Na Austrália, por exemplo, algumas indústrias como a de mineração têm recursos e dinheiro, mas não trabalhadores". Já Julius Z. X. Liu, que comanda a delegação de Taiwan no evento, diz que a questão é ainda mais grave em seu país, devido ao alto número de fábricas e indústrias. "Formar pessoas capazes de realizar trabalhos técnicos tem de ser prioridade. Produzimos, por exemplo, grande parte dos componentes eletrônicos de computadores e telefones celulares que são vendidos em todo o mundo", explica.
Em sua opinião, o problema da atração e formação de jovens em cursos técnicos tem raízes profundas e é difícil de ser solucionado. "As escolas têm professores desatualizados, equipamentos ultrapassados e modelos antiquados. Por outro lado, a tecnologia muda todos os dias. Desse modo, é preciso ensiná-los a pensar e a encontrar soluções, não apenas a operar máquinas", pondera.
Estar em dia com a evolução da tecnologia, porém, já não é mais suficiente para ser bem-sucedido profissionalmente na área. De acordo com os especialistas, até mesmo os técnicos precisam hoje desenvolver habilidades interpessoais, as chamadas 'soft skills'. "É necessário estar também preparado socialmente", diz Morin, da equipe canadense. "Além de se relacionarem com seus pares, em algum ponto da carreira as pessoas vão ter de lidar com consumidores, clientes e fornecedores", explica.
Callaghan concorda e vê no Worldskills uma boa forma de melhorar essas competências. "Ninguém mais trabalha isolado. É importante que esses jovens sejam expostos e mostrem suas habilidades em público, fora da zona de conforto", diz.
Phil Cutting, diretor de engenharia da British Sugar, enfatiza que quase todos os gestores são, antes de tudo, bons técnicos. "Qualquer profissional pode avançar até o alto escalão se também tiver as habilidades comportamentais", garante.
A empresa, que atua em diversos países e segmentos da indústria, estava no evento para "se mostrar" aos jovens. Além de explicar a eles como funciona o programa de trainee e o plano de carreira da organização, Cutting também esperava encontrar alguns talentos no local. "Estamos passando por um processo de sucessão e trocando todo o nosso 'board'. A renovação, contudo, fica ainda mais complexa quando existe uma escassez de talentos tão grande como a atual", diz.
Além da British Sugar, outras companhias também tentavam despertar o interesse dos visitantes e das muitas crianças que passavam pelo Worldskills 2011 em excursão com suas escolas. As que faziam mais sucesso apostavam em simuladores que pareciam jogos de videogame, nos quais o visitante "brincava" de soldar, operar uma empilhadeira ou um trem.
Este último simulador estava no espaço da FirstGroup, que atua no setor de transportes, principalmente no Reino Unido. Segundo o diretor regional de recursos humanos da companhia, Urmish Patel, um de seus maiores desafios atualmente é o de encontrar engenheiros. Para isso, uma das políticas da empresa é fazer parcerias com institutos de ensino, escolas técnicas e universidades para recrutar potenciais candidatos dentro das salas de aula. "Felizmente, os jovens começaram a despertar novamente para a engenharia nos últimos anos, o que tem diminuído um pouco a pressão", observa.
Patel revela que a burocracia e as leis trabalhistas restringem sua busca por profissionais, pois dificultam a entrada de trabalhadores estrangeiros no país e, consequentemente, na organização. Cutting, por outro lado, afirma que a força de trabalho da British Sugar é mais diversa, uma vez que a companhia está presente em países como África do Sul, Espanha, China e Polônia. "As portas estão abertas para qualquer um que tiver as competências necessárias", garante.
Embora uma carreira técnica permita que, teoricamente, o profissional possa atuar em qualquer lugar do mundo, a mobilidade internacional não é tão simples. Henriks, da delegação sueca, lembra que a união europeia facilitou esse trânsito entre os trabalhadores, mas é preciso levar em conta também as diferenças culturais e o grau de flexibilidade e de adaptação do candidato.
O canadense Morin afirma que seu país é experiente nesse assunto. Além de receber estudantes dos cinco continentes para programas de intercâmbio, o Canadá tem diversos projetos governamentais, como na província de Québec, para acolher trabalhadores qualificados de diversos setores. "Não temos nenhuma objeção em receber mais talentos brasileiros", brinca.
Quinn, da Irlanda do Norte, afirma que o país também possui essa característica, embora receba quase que exclusivamente europeus para trabalhar e estudar. "Adoraríamos que nossas companhias tivessem mais mão de obra qualificada do Brasil. Se souber de algum talento que esteja disponível, por favor, avise-me", diverte-se.
Duas opções para Quinn são os gaúchos Maicon Pasin e Cristian Alessi, ambos com 21 anos. Eles participaram do Worldskills 2011 atuando como dupla em uma prova na área de mecatrônica. Alunos do Centro Tecnológico de Mecatrônica do Senai em Caxias do Sul, os dois vislumbram boas perspectivas de carreira. "Essa profissão é necessária em qualquer segmento industrial. O campo de trabalho é bastante amplo", explica Alessi, que atualmente cursa o terceiro ano de engenharia de controle e automação na Universidade de Caxias do Sul.
Pasin também pretende cursar uma universidade, mas já faz planos de negócios com o parceiro. "Estamos conversando a respeito de montar uma empresa juntos em um futuro próximo", revela. Informados que alguns estrangeiros estavam interessados em recrutar brasileiros, Pasin se mostrou cauteloso: "Sabemos que somos observados, o evento funciona como uma vitrine. Se fizerem uma boa proposta, podemos considerar", diz. "Mas a verdade é que não deu tempo ainda para pensar nisso", desconversa Alessi.
O repórter viajou a convite do Senai

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