11 de fevereiro de 2012

Acesso à educação é o desafio



entrevista ALOIZIO MERCADANTE, Correio Brasiliense, 11 de fevereiro,2012
Ministro defende que só com investimentos maciços no setor o país dará o salto necessário para o desenvolvimento estrutural
PAULA FILIZOLA
Passados 18 dias desde que assumiu o terceiro maior orçamento da Esplanada, Aloizio Mercadante estabeleceu as principais metas para sua gestão à frente do Ministério da Educação (MEC): a ênfase nos programas de alfabetização para crianças de até 8 anos e a implementação de escolas em tempo integral. Em entrevista ao Correio, Mercadante avalia que ampliar o acesso e a qualidade da educação consiste no maior desafio estruturural do Brasil atualmente. Para sanar os gargalos do setor, ele defende que parte dos royalties do pré-sal sejam investidos na área. Mas o grande teste de fogo que o novo ministro terá este ano é a aplicação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Com graves problemas que geraram dor de cabeça ao antecessor Fernando Haddad nos últimos três anos, o Enem de 2012 está marcado para o início de novembro. Até lá, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), autarquia do MEC responsável pela prova, terá que finalizar os trabalhos de ampliação das questões do banco de dados do exame, bem como aprimorar os critérios de correção das redações e disponibilizar os espelhos a todos os candidatos.
O desafio também será grande para o novo presidente do Inep, o ex-secretário de Educação Superior Luiz Cláudio Costa, confirmado no cargo esta semana. Mercadante afirma que a escolha do correligionário petista não foi política. Segundo o ministro, nenhuma das cinco mudanças recentes nas secretarias da pasta tem fundamentação partidária. "Não sei nem o partido das pessoas que trabalham comigo", assegura. Confira os principais trechos da entrevista.
Como foram as primeiras semanas na pasta?
É um ministério extraordinário pela sua responsabilidade imensa, afinal, estou falando de 2 milhões de professores e de 56 milhões de alunos. É uma rede muito complexa. Mas o ministério estava bem administrado. O Fernando Haddad deixou a estrutura bem organizada. Eu trabalho o dia inteiro aqui para dar conta de todos os desafios, setores e secretarias. Nas próximas semanas, visitarei escolas da rede pública do país. A primeira será o colégio estadual Canadá, em Santos (SP), onde cursei o ensino médio.
O senhor comandou o Ministério da Ciência e Tecnologia por um ano. Essa experiência pode ser aplicada ao MEC?
Um dos grandes eixos da minha gestão é essa maior integração entre educação, ciência, tecnologia e inovação. Porque é aqui que se formam os recursos humanos que sustentam as pesquisas. Para ser uma economia competitiva e alavancar o setor exportador, o Brasil precisa investir em pesquisa, conhecimento e inovação É preciso articular essas relações. Nas duas pastas, há muitas áreas de interface e alguns programas em comum, como o Ciência sem Fronteiras, por exemplo.
Qual será o carro-chefe da sua gestão?
Estamos trabalhando na pré-escola com metas ambiciosas para a construção de 6,5 mil creches até 2014. Essa fase é essencial para a formação do aluno. Outro programa é o Alfabetização Certa, para garantir a alfabetização de todas as crianças de até 8 anos. É um programa grande e estratégico, porque o Brasil tem que assegurar que todas as crianças nessa faixa etária aprendam a ler, a escrever e a fazer as primeiras contas. Se nós fizermos isso, vamos melhorar todo o fluxo daqui para a frente. Outro programa prioritário é o Mais Educação, escola em tempo integral. Estamos fazendo um grande esforço para impulsionar essa proposta. Pretendemos dobrar essas escolas este ano (hoje, há 15 mil escolas do tipo no país, atendendo a 3 milhões de estudantes). Educação em tempo integral e aumento da jornada escolar são, comprovadamente, condições estratégicas para melhorarmos o desempenho em todos os indicadores da educação. Agora, a prioridade são as escolas de menor Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
Há diferença na aplicação de recursos entre as regiões com maior defasagem educacional?
Sim, o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) atende da creche ao ensino médio e, atualmente, prioriza nove estados com menores índices e recursos orçamentários. Os programas novos têm que focar exatamente onde estão os grandes desafios do Brasil, principalmente no Nordeste e no Norte do país, onde ocorrem as maiores assimetrias.
Há alguma outra proposta além do financiamento do Fundeb?
Vamos trabalhar o chamado território educacional, para que esses municípios com menor Ideb compartilhem estruturas e programas. Se a gente conseguir articular um conjunto de municípios próximos trabalhando na mesma direção, fica mais fácil para o MEC apoiá-los.
O piso nacional do salário dos professores já foi aprovado. Mas muitos estados e municípios ainda não cumprem a lei. Como mobilizar governadores e prefeitos?
A lei foi sancionada e a lei precisa ser cumprida. O papel do MEC em relação à situação é divulgar as informações e, com isso, definir a aplicação da lei. Nós reconhecemos que existem municípios e estados com dificuldades orçamentárias. Nesses casos, temos que sentar e discutir. Mesmo com esse piso, estamos falando de um pouco mais de dois salários mínimos. Se nós queremos mudar, precisamos valorizar o salário de ingresso na carreira. Para o jovem escolher ser professor, ele tem que ser atraído, e uma maneira de fazê-lo é por meio do salário, que precisa ser competitivo com outras carreiras.
Outro desafio do MEC é sanar os frequentes problemas do Enem. O que o senhor planeja para a edição de outubro do exame?
Vamos criar, dentro do Inep, uma comissão de especialistas em avaliação, com membros da Sociedade Brasileira de Avaliadores e funcionários do instituto. O Enem é indispensável ao país. É um instrumento justo, que usa a meritocracia para o acesso às universidades federais. É um instrumento necessário para dar oportunidades iguais. Já avançou muito na logística, o que era um problema inicial. Mas ainda há um desafio muito grande. Precisamos ampliar as questões do banco de itens. Com a Teoria de Resposta ao Item, quanto maior o banco, maior a segurança. Aí teremos condições de, por exemplo, no futuro fazer duas edições do Enem ao ano. Preciso ter um banco de dados robusto. Os Estados Unidos têm um banco de 100 mil questões (para o SAT, exame que consiste em parte do processo de seleção para as instituições de ensino superior norte-americanas. O MEC não divulga o número de itens do Brasil, mas especialistas estimam que gire em torno de 6 mil questões). Também estamos discutindo como aprimorar os critérios de correção da redação, para que tenhamos mais segurança com relação ao resultado final da avaliação. Os alunos têm que ficar tranquilos sobre o papel deles, que é estudar muito.
O grande problema do Enem 2011 foi o consórcio Cespe/Cesgranrio, responsável pelo vazamento de 14 questões no Ceará, resultando no cancelamento desses itens para mais de 1,2 mil alunos. A parceria será mantida?
Se nós tivermos um banco de itens robusto e testado, os outros problemas são menores.
O que o senhor achou do texto do Plano Nacional de Educação (PNE) discutido na Câmara dos Deputados? É muito importante que a Câmara dê prioridade à votação do PNE para não perdermos mais um ano. Como este é um ano eleitoral, vamos caminhar para um recesso branco no segundo semestre. Com o passar das semanas, vamos ter menos quórum nas sessões deliberativas. O Congresso só vai votar as matérias emergentes. Dessa forma, as políticas estruturais vão ficando para trás. Queremos concluir a votação do PNE em 2012. É muito importante para o Brasil que isso aconteça. O PNE tem foco, prioridade, caminho claro e objetivo.
O PNE determina o investimento de 8% do PIB na Educação. Esse percentual é suficiente?
Defendo que uma parte dos royalties do pré-sal sejam condicionados a educação, ciência, tecnologia e inovação. Esses recursos deveriam ser distribuídos para todos os entes da Federação. Pelo menos um terço do valor arrecadado, por, no mínimo, 10 anos. É muito mais fácil dividir o que não foi repartido do que redividir o que já foi repartido. O sentido dos royalties é preparar a economia para a era pós-petróleo. Está tudo muito atrasado na educação. Nos últimos anos, estamos recuperando séculos perdidos. Eu acho que os royalties podem ajudar a dar um salto na educação do país.

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