10 de fevereiro de 2012


Continuidade e Oportunidades

Isaac Roitman*, Correio Brasiliense, 12 de fevereiro,2012

Quando criança não conseguia entender a razão de se usar uma letra
maiúscula no início de algumas palavras como o nome de pessoas,
cidades ou países. Mais tarde entendi que quando a palavra tinha um
significado importante isso era plenamente justificável. Hoje refletindo
sobre o assunto gostaria de propor que as palavras continuidade e
oportunidades também gozassem desse privilégio.

A continuidade pode ser considerada como um conceito sem muito
sentido em uma escala de tempo grande, digamos de milhões de
anos. A natureza em constante transformação alimenta o processo
contínuo de renovação com resultados aleatórios e imprevisíveis. No
entanto na escala de anos ou décadas o conceito não é só válido
como fundamental, particularmente na implementação de políticas
públicas. A descontinuidade nessas políticas são temas persistentes
na vida política brasileira e tem sepultado iniciativas louváveis. Ela
emerge com maior intensidade na troca de governos, principalmente
quando o segmento político é substituído. Nessas circunstâncias
geralmente o preenchimento de cargos de confiança disponíveis são
direcionados para atender aos compromissos políticos partidários.
Esse tipo de procedimento, pode ser encarado como uma doença
mortal e precisa de um tratamento de choque para ser eliminado.
Paralelamente para que as políticas não sejam interrompidas a cada
mandato, é necessário o compromisso pela continuidade dos projetos
de longo prazo e a vigilância constante por parte da sociedade.
Um bom exemplo na área da educação é o movimento “Pacto pela
Educação” conduzido pela Sociedade Brasileira para o Progresso
da Ciência (SBPC), que reune além da academia, outros setores
da sociedade brasileira como os estudantes, os empresários, os
profissionais da educação e organizações não governamentais
como: Todos pela Educação e a Campanha Nacional pelo Direito à
Educação. Esse conjunto de entidades através de indicadores farão
o acompanhamento e avaliarão as ações que levem a conquista da
qualidade da educação para todos nas próximas décadas.

A palavra oportunidade, pela sua importância, também merece ser
escrita com letra maiúscula. O sentido dessa palavra surgiu com
as navegações do século XVI quando uma embarcação esperava

um vento forte para sair do porto rumo ao mar aberto. Este vento
recebia o nome de “oportunidade”. Uma democracia verdadeira é
aquela que proporciona a todos, o vento para que cada ser humano
tome um rumo que permita a ele a conquista de seu verdadeiro bem
maior, a sua felicidade. Essa oportunidade começa na vida fetal com
os cuidados na dimensão da saúde física e mental da gestante. A
neurociência moderna aponta como um dos principais pilares para
toda a vida, o período de 0 a 3 anos da criança. Segundo James
Heckman, premio Nobel de Economia, a desigualdade social é
definida nesse período. Dessa forma os cuidados no desenvolvimento
infantil na primeira infância é um pré-requisito para a democracia das
oportunidades. Um ensino de qualidade na educação infantil e básica
(ensino fundamental e médio/profissional) para todos os brasileiros é
um dever do estado brasileiro e um compromisso com o futuro. Essa
educação não deve ser dirigida somente para o mercado de trabalho.
Ela deverá preparar cada cidadão para que possa apreciar e entender
o privilégio da vida, poder apreciar a cultura e arte, tendo uma
convivência harmoniosa com seus semelhantes e com a natureza.
Durante o processo educativo o estudante deve ter o domínio perfeito
da linguagem das letras e dos números. Deve conhecer a história da
humanidade e ter incorporado os principios das boas práticas éticas,
de probidade e de solidariedade.

As regras ortográficas vigentes certamente não permitirão introduzir
a proposta contida no início do artigo. Porém felizmente não existem
regras gramaticais para a linguagem dos nossos pensamentos.
Dessa forma, pensar grande essas duas palavras continuidade e
oportunidades certamente serão importantes para avançarmos na
conquista de um modelo civilizatório virtuoso para o nosso futuro.
Falando de futuro é oportuno relembrar a genial frase de Woody
Allen: “Me interessa o futuro porque é o lugar onde vou passar o resto
da minha vida”.

* Coordenador do Grupo de Trabalho de Educação da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência e Subscretário de Políticas
para Criança da Secretaria de Estado da Criança do GDF

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