from CONTEÚDO LIVRE
Depois de investigar o comportamento e o cérebro de irmãos - um dependente químico e o outro não -, cientistas de Cambridge acham indícios de que tendência a abusar das drogas é hereditária
Brasília – Há tempos, os cientistas sabem que o cérebro de dependentes químicos tem características diferentes, comparando-o ao de indivíduos saudáveis. Até agora, porém, eles não conseguiam dizer se as alterações são causa ou consequência do problema. Um estudo publicado na edição de hoje da revista Science começa a matar a charada, melhorando o entendimento que se tem a respeito do vício e abrindo perspectivas para tratamentos mais eficazes.
"Estudos mostram que nem todo mundo que experimenta cocaína, por exemplo, torna-se dependente. Estima-se que menos de 20% daqueles que usaram a droga alguma vez na vida estarão viciados 10 anos depois", explica Karen D. Ersche, pesquisadora do Instituto de Neurociência e Comportamento da Universidade de Cambridge, uma das autoras do artigo. "Mas o índice de dependência aumenta nos casos de pessoas que têm histórico familiar. Em outras palavras, parece que existe um componente genético, mas sabemos muito pouco sobre isso, principalmente se o risco seria hereditário", comenta.
Por isso, na pesquisa, os cientistas resolveram comparar a estrutura cerebral e a habilidade de autocontrole entre irmãos. "Em cada um dos 50 pares de voluntários, havia um indivíduo saudável e outro dependente químico", conta Karen. Além de investigar o cérebro de filhos dos mesmos pais biológicos, os pesquisadores fizeram o paralelo com um grupo de pessoas que não usavam substâncias químicas (exceto tabaco) e não tinham histórico de vícios na família.
Os resultados cognitivos e de imagem revelaram que as alterações já identificadas previamente no cérebro de toxicômanos também são observadas nos irmãos, ainda que esses jamais tenham se aproximado de drogas nem se sintam tentados por bebidas. Para Edward T. Bullmore, pesquisador do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Cambridge, esse é um forte indício de que o risco de se tornar dependente químico está associado à hereditariedade. "A identificação de marcadores comportamentais e de padrões cerebrais demonstram que a predisposição de um indivíduo se viciar em drogas estimulantes pode estar ligada a anomalias no cérebro", afirma.
Ele, porém, diz que o resultado deve ser analisado com cautela, já que, embora os diferentes padrões cerebrais tenham sido detectados nos irmãos sem histórico de vício, esses fatores não devem ser tomados como únicos. "O próximo passo da pesquisa será investigar como esses irmãos que têm as anomalias associadas ao risco não desenvolvem o vício. Isso será muito útil para bolar estratégias que previnam as pessoas da dependência", observa.
Impulso Para entender o estudo, Karen Ersche esclarece que a literatura científica relata problemas de autocontrole em indivíduos com riscos de se tornarem dependentes. "Isso pode refletir uma habilidade menor na ativação das redes neurais pré-frontais que regulam o comportamento", diz. As drogas estimulantes reforçam esse padrão, pois afetam diretamente a região cerebral associada à motivação, como o gânglio basal e o sistema límbico, além de modular sistemas de controle localizados no córtex pré-frontal. "Um mal funcionamento nesses circuitos pode aumentar a suscetibilidade do indivíduo, facilitando a dependência de drogas", diz.
No estudo, os pesquisadores fizeram um teste no qual avaliaram o controle inibitório de comportamento dos participantes: eles mediam o tempo que cada um levava para deixar de executar determinada tarefa diante de um sinal preestabelecido. Por exemplo, na frente de um computador, eles deviam apertar o botão à esquerda se no monitor aparecesse uma seta virada à esquerda, ou o botão à direita, se a seta estivesse à direita. A um sinal sonoro, porém, tinham de parar com a brincadeira, mesmo que as imagens das setas continuassem a passar na tela.
"Esse é um teste bastante corriqueiro quando queremos avaliar como as pessoas lidam com seus impulsos", diz Karen. Enquanto os indivíduos do grupo de controle (sem histórico de vício na família) conseguiam parar de apertar os botões quando ouviam sinais, os dependentes químicos e seus irmãos tinham dificuldades para deixar de executar a tarefa. "Não houve diferenças no desempenho entre irmãos, entretanto. Mesmo em relação aos que nunca foram toxicômanos", conta a neurologista.
Os pesquisadores, então, passaram à fase de exames por imagem. "O cérebro é o melhor lugar para investigar o vício, já que sabemos que o órgão de pessoas que usam drogas pesadas tem uma estrutura diferente", justifica Edward T. Bullmore. O que a ressonância funcional magnética revelou é que não apenas um, mas vários circuitos cerebrais, são diferentes, comparando-se toxicômanos e seus irmãos com as duplas de voluntários não dependentes (veja infografia). "Em especial, a região do lobo frontal inferior é menos ativada nos primeiros. Isso está relacionado diretamente à baixa capacidade de autocontrole, o que tem importantes implicações clínicas", observa Karen D. Ersche.
Sutis Por causa das alterações cerebrais, além de mais vulneráveis à impulsividade, os voluntários têm risco maior de se comportar de maneira inflexível. Eles também secretam menos dopamina, substância relacionada ao bem-estar, e têm mais dificuldades de se adaptar a novas situações. Ao mesmo tempo em que as imagens revelaram que dependentes químicos e seus irmãos compartilham esses problemas, porém, elas também mostram que as alterações no cérebro do irmão não toxicômano são mais sutis.
Além de se concentrar nas pequenas diferenças anatômicas e fisiológicas nas duplas de irmãos, a cientista acredita que os pesquisadores precisam avaliar o que chama de "fatores protetivos": o que influenciou uma pessoa com histórico familiar de dependência química a não se viciar em drogas, mesmo que seu cérebro seja diferente. "Entre esses fatores, podemos citar uma atitude positiva em relação à vida e determinação para enfrentar e lidar com frustrações. Pode estar aí a resposta de por que, mesmo com forte componente genético e hereditário, algumas pessoas apelam para drogas e outras se mantêm sóbrias", afirma a neurocientista.
Paloma Oliveto
Brasília – Há tempos, os cientistas sabem que o cérebro de dependentes químicos tem características diferentes, comparando-o ao de indivíduos saudáveis. Até agora, porém, eles não conseguiam dizer se as alterações são causa ou consequência do problema. Um estudo publicado na edição de hoje da revista Science começa a matar a charada, melhorando o entendimento que se tem a respeito do vício e abrindo perspectivas para tratamentos mais eficazes.
"Estudos mostram que nem todo mundo que experimenta cocaína, por exemplo, torna-se dependente. Estima-se que menos de 20% daqueles que usaram a droga alguma vez na vida estarão viciados 10 anos depois", explica Karen D. Ersche, pesquisadora do Instituto de Neurociência e Comportamento da Universidade de Cambridge, uma das autoras do artigo. "Mas o índice de dependência aumenta nos casos de pessoas que têm histórico familiar. Em outras palavras, parece que existe um componente genético, mas sabemos muito pouco sobre isso, principalmente se o risco seria hereditário", comenta.
Por isso, na pesquisa, os cientistas resolveram comparar a estrutura cerebral e a habilidade de autocontrole entre irmãos. "Em cada um dos 50 pares de voluntários, havia um indivíduo saudável e outro dependente químico", conta Karen. Além de investigar o cérebro de filhos dos mesmos pais biológicos, os pesquisadores fizeram o paralelo com um grupo de pessoas que não usavam substâncias químicas (exceto tabaco) e não tinham histórico de vícios na família.
Os resultados cognitivos e de imagem revelaram que as alterações já identificadas previamente no cérebro de toxicômanos também são observadas nos irmãos, ainda que esses jamais tenham se aproximado de drogas nem se sintam tentados por bebidas. Para Edward T. Bullmore, pesquisador do Departamento de Psiquiatria da Universidade de Cambridge, esse é um forte indício de que o risco de se tornar dependente químico está associado à hereditariedade. "A identificação de marcadores comportamentais e de padrões cerebrais demonstram que a predisposição de um indivíduo se viciar em drogas estimulantes pode estar ligada a anomalias no cérebro", afirma.
Ele, porém, diz que o resultado deve ser analisado com cautela, já que, embora os diferentes padrões cerebrais tenham sido detectados nos irmãos sem histórico de vício, esses fatores não devem ser tomados como únicos. "O próximo passo da pesquisa será investigar como esses irmãos que têm as anomalias associadas ao risco não desenvolvem o vício. Isso será muito útil para bolar estratégias que previnam as pessoas da dependência", observa.
Impulso Para entender o estudo, Karen Ersche esclarece que a literatura científica relata problemas de autocontrole em indivíduos com riscos de se tornarem dependentes. "Isso pode refletir uma habilidade menor na ativação das redes neurais pré-frontais que regulam o comportamento", diz. As drogas estimulantes reforçam esse padrão, pois afetam diretamente a região cerebral associada à motivação, como o gânglio basal e o sistema límbico, além de modular sistemas de controle localizados no córtex pré-frontal. "Um mal funcionamento nesses circuitos pode aumentar a suscetibilidade do indivíduo, facilitando a dependência de drogas", diz.
No estudo, os pesquisadores fizeram um teste no qual avaliaram o controle inibitório de comportamento dos participantes: eles mediam o tempo que cada um levava para deixar de executar determinada tarefa diante de um sinal preestabelecido. Por exemplo, na frente de um computador, eles deviam apertar o botão à esquerda se no monitor aparecesse uma seta virada à esquerda, ou o botão à direita, se a seta estivesse à direita. A um sinal sonoro, porém, tinham de parar com a brincadeira, mesmo que as imagens das setas continuassem a passar na tela.
"Esse é um teste bastante corriqueiro quando queremos avaliar como as pessoas lidam com seus impulsos", diz Karen. Enquanto os indivíduos do grupo de controle (sem histórico de vício na família) conseguiam parar de apertar os botões quando ouviam sinais, os dependentes químicos e seus irmãos tinham dificuldades para deixar de executar a tarefa. "Não houve diferenças no desempenho entre irmãos, entretanto. Mesmo em relação aos que nunca foram toxicômanos", conta a neurologista.
Os pesquisadores, então, passaram à fase de exames por imagem. "O cérebro é o melhor lugar para investigar o vício, já que sabemos que o órgão de pessoas que usam drogas pesadas tem uma estrutura diferente", justifica Edward T. Bullmore. O que a ressonância funcional magnética revelou é que não apenas um, mas vários circuitos cerebrais, são diferentes, comparando-se toxicômanos e seus irmãos com as duplas de voluntários não dependentes (veja infografia). "Em especial, a região do lobo frontal inferior é menos ativada nos primeiros. Isso está relacionado diretamente à baixa capacidade de autocontrole, o que tem importantes implicações clínicas", observa Karen D. Ersche.
Sutis Por causa das alterações cerebrais, além de mais vulneráveis à impulsividade, os voluntários têm risco maior de se comportar de maneira inflexível. Eles também secretam menos dopamina, substância relacionada ao bem-estar, e têm mais dificuldades de se adaptar a novas situações. Ao mesmo tempo em que as imagens revelaram que dependentes químicos e seus irmãos compartilham esses problemas, porém, elas também mostram que as alterações no cérebro do irmão não toxicômano são mais sutis.
Além de se concentrar nas pequenas diferenças anatômicas e fisiológicas nas duplas de irmãos, a cientista acredita que os pesquisadores precisam avaliar o que chama de "fatores protetivos": o que influenciou uma pessoa com histórico familiar de dependência química a não se viciar em drogas, mesmo que seu cérebro seja diferente. "Entre esses fatores, podemos citar uma atitude positiva em relação à vida e determinação para enfrentar e lidar com frustrações. Pode estar aí a resposta de por que, mesmo com forte componente genético e hereditário, algumas pessoas apelam para drogas e outras se mantêm sóbrias", afirma a neurocientista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário