EDITORIAIS
editoriais@uol.com.br, 3/7/2012
Ficou famosa uma frase do idealizador do antigo SNI (Serviço Nacional de Informações), general Golbery do Couto e Silva: "Criei um monstro", declarou certo dia, mais uma neutra constatação do que um genuíno arrependimento.
O monstro, ao que tudo indica, já se devorava a si mesmo antes até de extintas suas funções de principal órgão de espionagem na ditadura militar (1964-1985). Reportagem naFolha de ontem mostra que mais de 19 mil documentos sigilosos do SNI foram destruídos, durante o segundo semestre de 1981.
Em vários casos, a ordem para a aniquilação do material secreto foi dada pelo chefe do SNI na época, general Newton Cruz. "Foi tudo de acordo com a lei da época", assevera Cruz, hoje com 87 anos.
Arquivos de valor histórico, como relatórios sobre as supostas atividades subversivas dos poetas João Cabral de Melo Neto e Vinicius de Moraes, não foram as únicas baixas nessa investida oficial contra a própria documentação.
Papéis capazes de ferir suscetibilidades e reputações mais frágeis também desapareceram. É o caso de um dossiê, intitulado
-de forma algo indiscreta- "Tráfico de Influência de Parente do Presidente da República". Fazia-se referência a alguém do círculo familiar de Emílio Garrastazu Médici, presidente entre 1969 e 1974.
O interesse principal das autoridades na eliminação dos arquivos parece ter sido não tanto o de proteger os incriminados, e sim os próprios incriminadores. O zelo investigativo sobre poetas ou figuras de oposição tenderia, com o passar do tempo, a mostrar o ridículo e a estreiteza ideológica dos chamados "serviços de inteligência".
Obliterou-se o máximo possível (ainda que mantendo registros de cada documento destruído). Sinal, sem dúvida, de um esforço de autoproteção. Sinal, também, da irracionalidade de todo o projeto. Como em qualquer regime autoritário, a máquina das suspeitas e das denúncias não tinha como não crescer exponencialmente.
A limpeza dos arquivos pode ser atribuída tanto à necessidade de ocultar malfeitorias quanto a questões logísticas: seria preciso reservar espaço (e tempo de análise) para os novos dossiês, as novas suspeitas, as novas ilegalidades.
A burocracia tem suas leis; têm suas leis, também, a opressão política e a estupidez ditatorial. Vê-se, não pela primeira vez, como é difícil sondá-las plenamente.
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