23 de novembro de 2012

Arquivos contestam versão da morte do ex-deputado Rubens Paiva





Comissão da Verdade receberá documentos que comprovam sequestro e tortura

Publicado:
Atualizado:
PORTO ALEGRE - Documentos que podem elucidar o paradeiro e a morte do ex-deputado federal Rubens Paiva e o atentado ao Riocentro, casos emblemáticos da ditadura militar brasileira, serão entregues à Comissão Nacional da Verdade, na próxima terça-feira, no Palácio Piratini, em Porto Alegre. O governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro, quer transformar o gesto num ato histórico, confirmou nesta quinta-feira o chefe da Casa Civil, o secretário Carlos Pestana. A existência dos documentos foi revelada pelo jornal “Zero Hora”. Eles comprovam que o ex-deputado foi sequestrado por militares e levado às dependências do Departamento de Operações e Informações — Centro de de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) no Rio, em 1971.

O promotor Otávio Bravo, do 1º Ofício da Procuradoria de Justiça Militar do Rio, que investiga o paradeiros de desaparecidos do regime militar, considera os documentos a primeira prova documental da entrada de Rubens Paiva naquela repartição, um conhecido centro de torturas. Trata-se de uma folha de ofício amarelada e preenchida em máquina de escrever, na qual o próprio Exército relata a prisão do ex-parlamentar.
Intitulado “Turma de Recebimento”, o documento contém o nome completo do político (Rubens Beyrodt Paiva), de onde ele foi trazido (o QG-3), a equipe que o trouxe (o CISAer, Centro de Inteligência da Aeronáutica), a data (20 de janeiro de 1971), seguido de uma relação de papéis, pertences pessoais e valores do ex-deputado. Consta nele, também, uma assinatura, possivelmente de Paiva. Isso muda história oficial, já que o corpo do ex-deputado nunca foi localizado, e o Exército jamais admitiu responsabilidade sobre o sumiço do político cassado pela ditadura militar .
O documento ficou quatro décadas guardado no arquivo particular do coronel da reserva do Exército Julio Miguel Molinas Dias, morto no último dia 1º, possivelmente numa tentativa de assalto. Ele foi chefe do DOI-Codi do Rio, cerca de dez anos depois do desaparecimento. As filhas do militar entregaram os arquivos à polícia.
Bravo considera que foram praticados pelo menos quatro crimes, no sumiço de Paiva: tortura, sequestro, homicídio e ocultação de cadáver. Bravo pretende encaminhar seu procedimento investigatório para a Comissão Nacional da Verdade e também para o Ministério Público Federal, que tem competência para apresentar denúncia de crimes comuns à Justiça (sequestro e cárcere privado). Por atuar junto à Justiça Militar, Bravo só pode apresentar denúncias referente a crimes militares.
Família aposta em novos rumos para investigação
Um dos cinco filhos de Rubens Paiva, o escritor e dramaturgo Marcelo Rubens Paiva, está confiante de que a Comissão da Verdade, possa avançar, com as novas provas, nas investigações nos crimes da ditadura militar.
— É mais uma prova de que ele chegou andando e saiu esquartejado de lá — disse ele, ressaltando que a sua família foi surpreendida com a descoberta dos documentos: — Por que ele (coronel Molinas Dias) guardava o documento? Era uma espécie de souvenir da guerra suja?
Organizações de ex-presos políticos também se entusiasmaram com a descoberta dos arquivos. Para a coordenadora do Grupo Tortura Nunca Mais, Victória Grabois, o relato de que dois cadernos de anotações de Paiva ficaram sob posse do major José Antônio Nogueira Belham durante a sua chegada à cadeia (no DOI-Codi) escancara a necessidade de que esse militar deponha junto à Comissão da Verdade:
— A gente pode não acreditar, mas temos de pressionar para que ele seja ouvido. É evidente que ele deve saber o que aconteceu. Esse cara precisa falar em um depoimento público, que não seja a portas fechadas.
Por meio de sua assessoria, o presidente da comissão, ex-procurador-geral da República Cláudio Fonteles, garantiu que o documento será analisado e não descartou que o militar possa ser ouvido.
Conselheiro do Movimento de Justiça e Direitos Humanos, Jair Krischke, que durante o regime militar ajudou integrantes de esquerda a fugirem do país, acredita que os documentos tenham sido levados para casa por Molinas como uma espécie de habeas corpus:
— Pessoas envolvidas com a repressão tinham consciência de que um dia poderiam ter contas a prestar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário