Folha de S.Paulo, 6/1//2012
Se, no final do século 19, alguém se perguntasse sobre os lugares nos quais se decidia silenciosamente os novos caminhos das artes visuais, dificilmente ele acertaria. Pois dificilmente alguém imaginaria que devesse voltar os olhos para uma ilha perdida no meio da Oceania, para uma cabana rústica isolada nos campos do sul da França e para uma pequena vila nos arredores de Paris. No entanto, era lá que Paul Gauguin, Paul Cézanne e Vincent van Gogh trabalhavam na reconstrução da linguagem da pintura.
Em um dos momentos maiores de redefinição das artes visuais no Ocidente, foi necessário sair do centro para que algo de fato ocorresse. Foi necessário estar na periferia.
Não se tratava de alguma forma de necessidade patológica de isolamento ou de procura pela força pretensamente evigorante da natureza intocada.
Estar fora do centro era importante porque acontecimentos normalmente ocorrem em contextos de deslocamento, em locais onde uma certa indiferença criadora em relação aos padrões da linguagem torna-se possível.
Atualmente, vários voltam seus olhos para as periferias do mundo a fim de encontrar linguagens artísticas em reconstrução.
Outros desconfiam destas procuras, vendo nelas apenas uma forma de projeção que visa compensar, através da idealização de "novos sujeitos", nossas expectativas criativas frustradas. Um pouco como se procurássemos nas periferias aqueles que, no lugar dos proletários integrados ao sistema capitalista, pudessem nos guiar em direção à realização de uma filosofia da história pensada como redenção revolucionária criadora.
No entanto, não precisamos acreditar em tal filosofia da história para aprendermos a olhar para além de nossos muros. Basta darmos um passo a mais em relação à época de Gauguin, Cézanne, Van Gogh e admitirmos uma teoria da contingência que suspende a própria distinção entre centro e periferia para dizer: "Um acontecimento é aquilo que pode vir de qualquer lugar".
Uma revolta política que perpassa nossa época como um vírus pode começar em uma pequena cidade da Tunísia. Uma experiência literária verdadeira pode estar em gestação na periferia de São Paulo.
Esta dimensão de "lugar qualquer" que um acontecimento é capaz de produzir nos lembra que o pior pecado é não acreditar nos agenciamentos contingentes.
Temos de estar preparados para que eles ocorram em qualquer lugar.
O primeiro passo para isto é mostrar, por ações concretas, que abandonamos de vez a distinção entre centro e periferia. Hoje, a inteligência sempre vem de um "lugar qualquer".
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