1 de março de 2010

O Estado de S. Paulo

'O desafio do Brasil é se abrir para o mundo'

O belga Vincent Defourny já morou na África e percorreu o mundo em vários cargos dentro da Unesco. Desde 2006, ele é representante da organização no Brasil - e ainda se espanta com as contradições por aqui. Defourny foi o responsável por realizar em Brasília na semana passada a conferência Web4Dev (web para o desenvolvimento), que acontece há seis anos, mas nunca havia sido feita na América Latina. O evento reuniu ONU, Banco Mundial, governo federal, empresas privadas e ONGs para discutir transparência e o papel da rede no desenvolvimento.

Em entrevista ao Link durante o evento, na quinta (26), Vincent Defourny disse que o Brasil precisa se abrir mais para o que acontece com o mundo. E assumiu que a ONU ainda é uma organização offline.

Quando a Unesco começou a perceber o potencial da web?

A Unesco entrou na web mais ou menos junto de todas as organizações. Nos anos 2000 foi elaborada uma nova estratégia de comunicação. Eu tive a sorte de estar envolvido nesse processo. Nessa época ficou claro que a web é uma ferramenta extraordinária. É muito mais do que um canal de comunicação.

A Unesco tem alguma ação em relação à democratização da web?

Hoje na Unesco a preocupação é mais interna, de fazer que a web seja adotada como ferramenta de trabalho. Estamos insistindo na ideia de comunidade para aprender a trabalhar colaborativamente. São coisas óbvias para quem é desse meio, mas que representam uma revolução para uma organização como a Unesco.

A impressão que dá é que a ONU é uma organização offline.

Ainda é uma organização principalmente offline. Mas cada vez mais apoiada pelo online. O passo seguinte, e você tem toda razão, é fazer a organização online. Acho que fazendo a organização online, vamos transformar a Unesco. De alguma forma, eu acho que com essa comunidade da ONU reunida no Web4Dev temos um embrião de um grupo que pode contribuir muito com as Nações Unidas.

Como a Unesco e a ONU veem iniciativas como a lei Hadopi, da França, que restringe a liberdade dos internautas?

Temos sempre a referência fundamental do respeito aos direitos humanos, à liberdade de expressão e ao pluralismo na mídia. Mas, ao mesmo tempo, respeitamos as obras e a autoria. Não podemos esquecer que foi na Unesco que se criou a noção de copyright, nos anos 50. O sistema funcionou bem até agora. Mas a evolução é tão rápida que é preciso repensar o modelo de negócio da produção de conteúdo respeitando a liberdade mas ao mesmo tempo favorecendo a criação. Acho que o caminho da música é muito interessante de ver. A Apple por exemplo já mudou o modelo de negócios com o iTunes. E acredito que o iPad vai mudar mais.

Esse tema está na agenda da Unesco?

Indiretamente. Sei que na World Association of Newspapers essas questões são abordadas. Mas, na Unesco, elas estão na agenda apenas indiretamente.

Como o senhor, como representante da Unesco, vê a postura brasileira em relação à internet?

Acho uma postura muito engraçada. Por um lado é uma posição de vanguarda. A Unesco está totalmente de acordo com as iniciativas que o País toma de dar as cartas fundamentais para o desenvolvimento da internet. Mas o que me chama atenção é o contraste. O Brasil é muito autoreferente. Muito fechado. A língua portuguesa é um elemento, mas não é a única explicação. O desafio para o Brasil é se abrir mais para o mundo. A participação de brasileiros no ambiente internacional é importante. Essa foi uma das razões pelas quais trouxemos esse evento para cá, para dizer aos brasileiros "olha o que está acontecendo com o mundo lá fora".

CIDADANIA DIGITAL

Cidadania e internet, governos e transparência, mundos real e virtual, esferas pública e privada: essas dualidades foram abordadas durante o Web4Dev, que ocorreu no fim da semana passada, em Brasília. Além das discussões, o evento também foi palco para a apresentação de sites que funcionam como ferramentas para facilitar o engajamento político e cidadão das pessoas.

DATA FINDER - O site do Banco Mundial mostra 17 indicadores de desenvolvimento de maneira simples, na forma de gráficos, para o público. "Queremos que todos consigam usar nossos dados e alcançar nosso conhecimento sem ter que participar de nenhuma organização paga", diz Lívia Barton, do Banco Mundial.

SPEAK AFRICA - Apresentado pela coordenadora de Projetos Especiais das Nações Unidas, Soad Sommereyns, o site divulga notícias de interesse da comunidade africana, além de estimular os participantes a enviarem artigos e informações em texto, fotos, áudio e vídeo. Também funciona como uma rede social que conecta jovens interessados em política.

CITIZENTUBE - Apresentado por Ivo Corrêa, do Conselho de Políticas do Google Brasil, é um canal do YouTube que disponibiliza vídeos com protestos, falas de políticos, notícias de guerra e denúncias sobre desrespeitos aos direitos humanos no mundo. Há também um blog onde os vídeos são detalhados com mais informações.


Nenhum comentário:

Postar um comentário