Um dos aspectos mais dramáticos do relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) sobre o nível de desenvolvimento humano dos países da América Latina não é a confirmação de que, no que se refere à distribuição da renda, a região continua sendo a mais desigual do planeta - e, apesar das melhoras dos últimos anos, o Brasil, na comparação com os demais países, tem a terceira pior situação do mundo. O que torna a questão muito mais grave é o fato de que, nas últimas décadas, as várias ações colocadas em práticas pelos diferentes governos, sob diferentes regimes políticos, não conseguiram evitar que os problemas da desigualdade e da pobreza se repetissem de uma geração para a outra.
Impera na região uma espécie de lei social perversa, por meio da qual, como diz o documento do Pnud, "a desigualdade reproduz desigualdade, tanto por razões econômicas como de economia política, e gera um acesso desigual ao sistema de representação política e à possibilidade de se fazer ouvir". Os níveis de escolaridade ou de renda de uma geração estão correlacionados com os da geração anterior. É como se filho de pai pobre já nascesse condenado a viver na mesma situação de seus ascendentes.
É, reconhece na apresentação do relatório o subsecretário-geral da ONU e diretor regional do Pnud para a América Latina e Caribe, Heraldo Muñoz, "um círculo vicioso difícil de romper". Mas, otimista, Muñoz afirma em seguida que "sim, é possível reduzir a desigualdade na América Latina e no Caribe". Mostrar o caminho para isso é o objetivo central do estudo que tem o sugestivo título de Atuar sobre o futuro: romper a transmissão intergeracional da desigualdade.
Para examinar mais detidamente a questão das desigualdades de renda, educação e saúde na região, os pesquisadores desenvolveram um índice especial - o Índice de Desenvolvimento Humano ajustado à Desigualdade, IDH-D, que não pode ser comparado ao IDH tradicionalmente divulgado pelo órgão (o de 2010 sairá em outubro), por causa da metodologia diferente. Depois de avaliar o grau de desigualdade nos países da região e comparar esses resultados com os dos demais países do mundo, utilizando a mesma metodologia, o relatório constatou que, dos 15 países em que é maior a distância entre ricos e pobres, 10 estão na América Latina e no Caribe.
Uma das conclusões do relatório é que, na região, a falta de acesso aos serviços básicos de infraestrutura, a baixa renda, além de uma estrutura fiscal ineficiente para reduzir as desigualdades e a falta de mobilidade educacional entre as gerações reproduzem o quadro da distribuição muito desigual de rendimentos entre as famílias.
Constata-se que, desde a metade do século passado, apesar das diferentes políticas adotadas pelos governos da região - com mais ou menos intervenção do Estado na economia, com mais ou menos liberdade para a ação empreendedora, com menor ou maior grau de abertura política -, a desigualdade tem sido "alta, persistente e se reproduz num contexto de baixa mobilidade social".
Ou, como diz em outro trecho o estudo do Pnud, "os altos níveis de desigualdade têm sido relativamente imunes às diferentes estratégias de desenvolvimento implementadas na região desde a década de 1950".
Se tudo o que se fez até agora foi, em grande medida, ineficiente e ineficaz, ainda há o que possa ser feito de novo para alcançar resultados melhores?
Ao apontar os fatores que emperram as políticas públicas destinadas a combater as desigualdades, o relatório indica meios para reduzir o problema. Entre os fatores estão a baixa qualidade da representação política, a debilidade das instituições, o acesso desigual aos que têm o poder de elaborar e definir políticas específicas, a corrupção e a captura do Estado por partidos ou grupos políticos.
Em resumo, é preciso colocar em marcha reformas que melhorem o sistema de representação política e deem ao Estado melhores condições de responder às demandas sociais e reorientar as políticas sociais.
Não é pouco o que precisa ser feito. Mas pode ser feito.
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