20 de julho de 2010

A prova de que o PIB pode enganar

Quem teima em defender o obsoleto PIB precisa dar atenção ao caso
da Irlanda, que realça como seria muito melhor avaliar o desempenho
econômico das nações por alguma medida da renda domiciliar
disponível para consumo. O PIB per capita irlandês disparou nos anos
1990, ultrapassando o japonês e os das maiores economias européias
em 1998, e quase igualando o dos EUA em 2007. Todavia, tanto seu
consumo final efetivo, quanto as várias medidas possíveis de renda
domiciliar disponível permaneceram em níveis 40% abaixo das
americanas, bem próximas das da Itália.
Ou seja: em 2007 a situação econômica da Irlanda era muito pior do
que as do Reino Unido, França e Alemanha, embora seu PIB per
capita indicasse exatamente o inverso: um desempenho próximo ao
da economia americana, muito acima dos exibidos pelas outras cinco
grandes economias citadas.
Essa é uma das evidências apresentadas em dossiê de 30 páginas com
esclarecedores
coordenado por Joseph Stiglitz, Amartya Sen, e Jean-Paul Fitoussi
sobre a mensuração do desempenho econômico e do progresso social
(www.stiglitz-sen-fitoussi). Obra de três técnicos do INSEE - Instituto
Nacional de Estatística e Estudos Econômicos - a agência estatística
da França: Marie Clerc, Mathilde Gaini e Didier Blanchet (*). Eles
usaram o relatório para comparar as evoluções de seis países:
Alemanha, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido. Em
alguns casos de sete, quando também obtiveram dados sobre o caso
É o primeiro sinal de que começa a ser rompido o soturno silêncio de
dez meses em torno do relatório. Um fenômeno que certamente
resulta do despreparo das agências de estatística, tanto as nacionais
são
internacionais. No geral, elas são incapazes de medir o desempenho
econômico pela renda disponível para consumo e compará-la ao
vetusto produto bruto, interno ou nacional. Menos ainda dispõem dos
meios necessários a avaliações de qualidade de vida que combinem
critérios consagrados (como a esperança de vida) a critérios
hedônicos (como a satisfação). E nem sequer começaram a elaborar
indicadores físicos de sustentabilidade ambiental.
Inteiramente impotente diante desses desafios, a comunidade
estatística prefere ficar calada, contribuindo para reforçar a opção
preferencial dos economistas por convenções que ignoram a
obsolescência do PIB, a extrema precariedade do IDH, e a completa
ausência de medidas consensuais de sustentabilidade.
Daí o imenso valor das pérolas exibidas nesse dossiê do INSEE. Chega
a arriscar, por exemplo, duas ilustrações sobre a sustentabilidade. A
primeira, preponderantemente econômica, na linha da “poupança
genuína” do Banco Mundial, indica que os seis países decaíram muito
mais do que se pensa nas três últimas décadas do século passado.
Tendência que parecia estar começando a ser revertida a partir de
2003 somente na Alemanha e no Japão.
Em seguida, sobre a contribuição de cada país à insustentabilidade
ambiental global – mais na linha do relatório – surge uma comparação
entre as respectivas “pegadas carbono”, em toneladas de CO2 por
habitante e por ano. Desnecessário dizer que as dos EUA são quase o
dobro das dos outros seis países, tanto sob ótica da produção, como -
ainda mais - sob a do consumo.
No que se refere à necessidade de melhores indicadores de qualidade
de vida, o maior destaque foi dado à saúde. Tem sido unânime a idéia
de que nessa área não existiria melhor critério objetivo do que a
esperança de vida ao nascer. Porém, em países que já atingiram
elevada longevidade, o que mais passa a interessar é a esperança de
vida “em boa saúde”. Na Alemanha, enquanto a primeira se aproxima
dos 80 anos, a segunda nem chega aos 60. Em forte contraste com o
Reino Unido, onde a esperança de vida “em boa saúde” supera os 65
Embora a educação também receba grande destaque no âmbito da
qualidade de vida, o dossiê não vai além de uma apresentação das
porcentagens de diplomados do ensino superior na faixa etária 25-54
anos. Enquanto EUA e Japão lideram com mais de 40%, França,
Alemanha e Reino Unido ficam no meio, entre 25% e 35%, seguidos
bem de longe pela Itália que mal alcançou os 15%.
Os autores preferiram dar mais ênfase à insegurança econômica,
ilustrada simultaneamente pelos irmãos siameses desemprego e
pobreza. Surgem dois grupos conforme os pesos relativos dos
desempregados de longa duração na população ativa. Do lado melhor,
EUA, Reino Unido e Japão, com taxas inferiores a 1,5%. Do pior,
França, Alemanha e Itália com taxas superiores a 3%.
Todavia, esse panorama praticamente se inverte quando se considera
uma linha de pobreza de renda correspondente a 60% do nível de vida
mediano, após transferências sociais e impostos. Por tal critério, há
vinte anos permanece na pobreza um quarto dos domicílios
americanos. No Japão e na Itália eles se aproximam de um quinto.
São apenas 16% na Alemanha e Reino Unido, e 15% na França.
(*) http://www.insee.fr/fr/ffc/docs_ffc/ref/ecofra10d.PDF
Valor
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JOSÉ ELI DA VEIGA, professor titular da USP (FEA e IRI), escreve mensalmente às terças.
Página web: www.zeeli.pro.br

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