7 de julho de 2010

Ilusões políticas

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A peça "Assim é se lhe parece", de Pirandello, joga com a ideia de que, dependendo de quem observa, há sempre uma versão distinta do mesmo fato. É o que acontece com a situação econômica do Brasil.
Na visão otimista e eleitoreira do presidente Lula, passamos por momentos "extraordinários", nunca antes neste país tivemos tamanha prosperidade. "Assim é se lhe parece", mas há maneiras distintas de ver o mesmo quadro.
Em artigo publicado pelo mais influente jornal econômico, o inglês "Financial Times", seu principal comentarista-chefe, Martin Wolf, fez uma comparação nada lisonjeira entre o comportamento da economia do Brasil e o das de Índia e China nesses últimos 15 anos, de 1995 a 2009, governos de Fernando Henrique Cardoso e Lula.
O crescimento médio anual do país nesse período foi de 2,9%, fazendo com que a elevação da renda tenha sido de apenas 22%, contra 100% na Índia e 226% na China.
O resultado dessa performance medíocre foi que a participação brasileira na produção mundial caiu de 3,1% em 1995 para 2,9% em 2009, enquanto a China saltou de 5,7% para 12,5%, e a Índia, de 3,2% para 5,1%.
Na mesma semana, a repórter Érica Fraga, da "Folha de S. Paulo", mostrou que a diferença de nível de renda entre brasileiros e norte-americanos é hoje maior do que em 1980.
O Produto Interno Bruto (PIB) per capita do Brasil medido pela paridade do poder de compra (PPC), que já foi correspondente a 30,5% do dos Estados Unidos em 1980, era equivalente a 22,7% em 2009.
A Coreia do Sul é um exemplo mais próximo de nós. Em 1980, seu PIB per capita em PPC equivalia a 18,8% do norte-americano, quase a nossa situação hoje e 60% menor do que o PIB per capita brasileiro naquela ocasião. Mas nesses 30 anos conseguiu aumentar o percentual para 60,3%.
Esse avanço tem a ver principalmente com o salto de qualidade no ensino que a Coreia do Sul deu nos últimos anos.
O economista Fernando Veloso, da Fundação Getulio Vargas, analisando a situação do ensino brasileiro comparativamente a outros países no livro "Educação básica no Brasil — Construindo o país do futuro", mostra que houve uma evolução na proporção da população com pelo menos o ensino médio completo, mas as deficiências ainda são maiores que os avanços.
No Brasil, entre 25 e 64 anos, a média é de 30% com pelo menos o ensino médio completo, e quando se pega os mais velhos, de 55 a 64, a taxa é de 11%, o que mostra que melhoramos com os mais jovens.
Mas na Coreia do Sul, ressalta Veloso, os cidadãos de 55 a 64 anos têm média de 37% com o médio completo, e os de 25 a 34 já têm 97%.
Nessa faixa, a Coreia universalizou o ensino médio, e o Brasil está com 38%, ainda uma distância enorme, constata o professor.
Embora entre 1980 e 2000 tenha havido aumento expressivo da escolaridade média, de 3,1 para 4,9 anos de estudo, países de renda per capita similar à brasileira experimentaram significativos aumentos de escolaridade, de forma que a diferença entre o Brasil e eles se elevou ao longo do período.
Enquanto em 1960 a Coreia do Sul tinha uma escolaridade média superior à do Brasil em 1,4 ano de estudo, em 2000 essa diferença havia se elevado para quase seis anos.
Essa perda de competitividade brasileira em relação a outros países é também analisada em um estudo do economista Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, que estuda o desempenho dos governos da República brasileira de 1889 até 2009 baseado em um conjunto de seis indicadores macroeconômicos:
Variação da renda real; hiato de crescimento (diferença relativa entre a variação real anual do PIB brasileiro e a variação real anual do PIB mundial); investimento; inflação; fragilidade financeira (relação percentual entre a dívida pública interna federal e o PIB); e vulnerabilidade externa.
Segundo o estudo, no período 1890-2009 a taxa média de crescimento real do PIB brasileiro é de 4,5%. No conjunto de 29 períodos, o governo Lula (2003-09) tem a 9 taxa mais baixa de crescimento econômico, de 3,5%.
O hiato de crescimento econômico médio do país é de 1,3% no período 1890-2009, já que a taxa média de crescimento da economia mundial foi de 3,1%.
O governo Lula tem o 9 mais baixo hiato de crescimento no conjunto de 29 governos, ficando negativo em 0,1%, o que significa que o país tem queda de sua participação no PIB mundial.
No período de praticamente meio século, que vai de 1932 até 1980, a participação do país no PIB mundial aumenta de menos de 1% no final dos anos 1920 para 3,6% em 1980.
No governo Lula, a participação do Brasil na economia mundial (PIB) foi de 2,81% em 2002 para 2,79% em 2009, com uma média de 2,74%, próxima da observada quase 40 anos antes, no início dos anos 1970, enquanto no governo FHC (1995-2002) a participação média é de 2,93%.
Pelo estudo, o governo Lula é superior ao de Fernando Henrique em cinco dos seis quesitos analisados — só perde na fragilidade financeira. Mas, neste, a derrota de Lula é total. Nunca antes na história deste país, ou seja, nenhum mandatário desde Pedro II, brinca Gonçalves, teve relação tão alta da dívida pública interna federal com o PIB.
Nos dois mandatos de Lula, essa relação é superior a 42%. A média histórica em 120 anos de História republicana é de 11,6%.
No conjunto de seis indicadores, há dois que expressam diretamente a situação econômica internacional (hiato de crescimento e vulnerabilidade externa). A exclusão destes dois indicadores implica mudanças importantes no Índice de Desempenho Presidencial — IDP, que é a média dos seis quesitos analisados.
O do governo FHC aumenta de 39,2 (28 posição) para 43,9 (27 posição) enquanto o do governo Lula cai de 47,8 (23 posição) para 42,9 (28 posição), o que demonstra a importância da conjuntura internacional para a performance do governo Lula.
Em ambos os governos, porém, a economia brasileira retrocede em termos de sua participação na economia mundial.
Já é hora, portanto, de os candidatos a presidente tratarem de questões estruturais do país, como a educação, sem o que continuaremos patinando na mediocridade.
Merval Pereira
O Globo

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