7 de setembro de 2011

Aluno ignora ditadura e acha que Bin Laden atacou o Haiti


07 de setembro de 2011
Educação e Ciências | Diário da Região - S. J. do Rio Preto - Últimas | Educação | SP

Maria Stella Calças
Hamilton Pavam

Testes foram aplicados em faculdades, escolas e entidades

Oitenta e oito por cento de 389 alunos do ensino médio e início do curso de graduação (343 ao todo) desconhecem o que foi o Regime Militar no Brasil e as suas consequências. A questão, inserida no teste de geografia, história e atualidades, aplicado pelo Diário, foi a que apontou maior índice de erros. Apenas 46 alunos acertaram a questão. O desconhecimento histórico encerra a série de reportagens "Educação na UTI", publicada pelo Diário desde o último domingo. Os testes foram produzidos por professores de ensino médio de Rio Preto e aplicados em escolas, entidades sociais e faculdades.
Avaliação do teste mostra que os alunos desconhecem que durante a ditadura ocorreram tortura, prisões e exílio, além de predominância do autoritarismo no governo do País. Os alunos também desconhecem quem foi Osama Bin Laden, qual país ele atacou e o que ocorreu em 11 de setembro de 2001. Apesar de várias reportagens especiais na tevê e nos jornais abordarem os dez anos do principal atentado terrorista contra os Estados Unidos, apenas 54,4% dos estudantes souberam responder a essa pergunta. Outros 21,3% acertaram a questão parcialmente.
Dentre as respostas sobre qual país foi alvo de ataque terrorista, erros primários de ortografia e informações absurdas surgiram, como a resposta de um aluno do ensino médio, que diz: "Não lembro muito bem mais acho que foi o Haitti por causa da enchentes (sic)". Ou outra, de um estudante do 2º ano do ensino médio, que cita a Europa como País: "Os países que foi atacado em 11 de setembro foram: Brasil, Portugal, Europa, Estados Unidos, a quem se atribuiu a autoria dos fatos aconteceu recentemente (sic)."
Professores ficaram estarrecidos com a falta de informação dos alunos, tanto na questão sobre a ditadura quanto a que abordou o 11 de setembro. Para eles, pelo menos 70% dos estudantes deveriam ter acertado a pergunta, que não faz parte de um conteúdo acadêmico, mas de conhecimentos relativos à atualidade. Sobre a ditadura, eles afirmam que os jovens poderiam ter absorvido o conhecimento até em conversas com os pais.
Os professores destacam que as questões são básicas. Alunos de 2º ano do ensino médio, dizem, deveriam ter pleno domínio. E alunos do ensino fundamental também são capazes de responder. "Se formos comparar as estatísticas com o que sabemos que é ensino nas escolas, não é um desempenho ruim. Agora, analisando que o Brasil está indo para o Primeiro Mundo é um absurdo ver essas estatísticas.", diz Marco Antônio Torrano, professor de história do Intelectus.
Para ele, o mau desempenho dos alunos é culpa do professor que não se prepara à altura para o ensino de adolescentes. "O professor tem que estar preparado para ensinar. Tem muito estudante nessa faixa etária que não quer nada com nada, mas o professor tem de estar pronto para transmitir conhecimento e despertar interesse". Segundo Torrano, os professores precisam estimular o adolescente a acompanhar a história no seu dia a dia: precisa estimulá-lo a ver telejornais e a ler jornais e revistas para saber o que acontece no País.
Collor
Outra questão com baixo rendimento, que, segundo os professores, poderia ser respondida com conhecimentos básicos da política nacional dos dias de hoje é a de número 4, que trata do governo de Fernando Collor de Mello. Somente 31,8% dos estudantes, ou seja 124 alunos, conseguiram responder corretamente. "Esse período envolve pessoas que ainda atuam no cenário político brasileiro. Daí percebemos que, além da falta de conteúdo, os alunos também não têm uma percepção da política atual do País", diz Marcelo Maia, professor de história do London. Para ele, os dados são preocupantes. "A prova pede apenas um recorte do que deveriam saber. Se ampliarmos o leque, o nível de acertos vai cair muito."
Rever currículo é importante
Rever o currículo escolar, essa é a solução apontada pelo sociólogo, psicólogo e pedagogo Reinidolch Caffagni, para modificar a realidade da educação no Brasil. "Eu tive excelentes professores, mas hoje falta a cultura de bloco. As matérias são desagregadas e as escolas dão preferência para as disciplinas de exatas", afirma. Além disso, ele aponta a falta de tempo do professor com a turma como outro fator preocupante. "A grade curricular de hoje não ajuda. O professor fica em segundo plano, não tem tempo hábil de ensinar os alunos. Trabalhando as disciplinas separadamente e sem tempo, os professores formam técnicos e não pensadores", diz Caffagni.
O professor Marco Antonio Torrano, que leciona há 27 anos, afirma que para mudar esse cenário é preciso que os professores passem por uma reciclagem. "O professor tem que se preparar como profissional. Não importa se o salário é baixo. Se o aluno percebe que o professor está com conhecimento defasado, ele não o respeita e com isso deixa de prestar atenção na aula e aprender a matéria." Torrano e o professor Marcelo Maia, que leciona há 16 anos concordam que grande parte da mudança precisa ser feita pelos professores. "O professor precisa, além de trabalhar o conteúdo, despertar o interesse do aluno", diz Maia.
Edvaldo Santos
Leandro Cardoso Oliveira diz ter adquirido conhecimento por conta própria; professor faltava muito
Mapa do conhecimento
Dos 389 alunos que participaram da prova de história, geografia e atualidades, apenas cinco acertaram todas as questões, o que corresponde a 1,2%. Desses, apenas dois terminaram o colegial recentemente, os outros têm mais de 35 anos e cursam o primeiro ano da faculdade. O mais novo dentre os que conseguiram o desempenho máximo na prova é Leandro Cardoso Oliveira, 18 anos, que terminou o colegial no ano passado e está no primeiro ano de Engenharia de Produção. Surpreso ao saber o resultado, o jovem afirma ter adquirido os conhecimentos até o 2º ano do ensino médio com professores e depois por conta própria. "Eu sempre gostei de todas as matérias. Nunca tive preferências. Mas, no 3º colegial o professor de história mais faltava do que ia. Era só uma aula por semana e ele raramente aparecia."
Para suprir a falta de aulas, já que o professor substituto, quando comparecia à escola, não ministrava o conteúdo, Oliveira optou por estudar em casa. "Eu pesquisava, acompanhava as notícias e relembrava o que aprendi nos outros anos." Oliveira concluiu o ensino médio na mesma escola onde estuda B.P.M., 17 anos, que cursa o 3º ano do ensino médio e aponta a falta de professor de história como motivo para ter zerado a prova.
O problema, confirmado por Oliveira, foi negado pela Secretaria de Estado da Educação. "As faltas de profissionais são esporádicas e, quando ocorrem, são supridas por professores eventuais. Os docentes eventuais seguem o roteiro de aulas disposto no Caderno do Professor, material de referência para o conteúdo das aulas", informou por meio de nota. Outro estudante a gabaritar a prova foi Gilberto José Oliani Piovani, 23 anos, que terminou o ensino médio em 2005, em uma escola particular de Rio Preto e já fez um ano de cursinho pré-vestibular e um curso técnico na área de produção.
Para ele, a falta de conhecimento dos outros avaliados é, também, por desinteresse. "Acho que os mais jovens não procuram interagir com o mundo. Como alguém pode não saber o que foi o 11 de Setembro? Meus pais sempre me incentivaram a ler, pesquisar e adquirir conhecimento em todas as disciplinas", afirma Piovani. Especialistas concordam com o estudante e defendem que o interesse pelo estudo deve ser fomentado tanto pelos professores quanto pela família. "A própria família do jovem valoriza mais a novela do que o telejornal e acaba passando para o estudante que o brasileiro é acomodado. A culpa é dos adultos, os jovens só estão vindo na onda do que têm como exemplo", afirma o professor Marco Antonio Torrano.
"Conversas em casa sobre política, a vida cotidiana, histórias contadas pelos pais sobre o que viveram em sua juventude, tudo isso ajuda o estudante porque dá uma percepção de mundo. Isso tem faltado nos alunos. Se eles tivessem esse conhecimento, teriam conseguido responder grande parte das questões, nem que fosse por eliminação dos itens pelo que se lembravam", diz o professor Marcelo Maia.
Estado não comenta testes
Questionada pela terceira vez consecutiva, a Secretaria de Estado da Educação se recusou a comentar os resultados da avaliação realizada pelo Diário. Em nota, a pasta informou que "não comenta pesquisas e avaliações cuja metodologia desconhece." A secretaria informou ainda que monitora a qualidade de ensino a partir dos resultados do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), "que desde 2007 permite o acompanhamento anual do desempenho dos alunos. As avaliações periódicas, aplicadas com base nas expectativas de aprendizagem determinadas pelo Currículo do Estado, utilizam procedimentos metodológicos formais e científicos cada vez mais aprimorados para coletar e sistematizar dados e produzir informações sobre o rendimento dos estudantes."

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