7 de setembro de 2011

Primeiro mundo de verdade : Fernando Molica


07 de setembro de 2011
Educação no Brasil | O Dia | Fernando Molica | RJ


Rio - Entre as péssimas contribuições do governo Collor está a vulgarização da expressão "de primeiro mundo". Virou moda utilizá-la para definir o que parece semelhante a produtos, serviços e instituições existentes em países desenvolvidos. Nada contra a busca de equiparação, o problema foram os exemplos utilizados. Passou-se a usar o elogio apenas para o que transmite a impressão de luxo e suntuosidade: shoppings, carros de luxo, prédios comerciais, condomínios fechados, modernos estádios de futebol. Isto tudo passou a ser tratado como "de primeiro mundo".
Há ostentação em países ricos, mas não é o consumo e a exposição do luxo que os fazem ser de primeiro mundo. A necessidade de exibir riqueza é mais característica de subdesenvolvidos - o mau gosto do palácio do Kadhafi confirma. O que define o alto grau de civilização são itens mais modestos. De primeiro mundo não é o país onde toda a população tem carro, mas aquele que oferece um transporte público de qualidade para todos. Melhor do que ter carro e ficar duas horas engarrafado é pegar o metrô e chegar em casa em 30 minutos. Na Europa, muita gente até prefere um meio de transporte mais simples e saudável, a bicicleta.
Ainda mais sofisticado é ter cidades com rios e praias limpos, o que só é possível se o saneamento básico for levado para todos. Ser de primeiro mundo é privilegiar o público ao privado, é compreender que, numa sociedade democrática, todos têm direitos iguais - o voto do pobre vale tanto quanto o do rico.
País de primeiro mundo é aquele em que motoristas respeitam pedestres e ciclistas, não avançam sinal. Por lá, não se fala em "indústria de multas", há o reconhecimento de que, sem a perspectiva de punição, até o mais pacato motorista japonês corre o risco de virar um dos trogloditas que enfrentamos nas ruas. Respeitar sinais vermelhos e limites de velocidade é chato, mas necessário quando se pensa mais no coletivo do que no individual.
Entre os tantos serviços que distinguem países desenvolvidos do nosso o mais chocante talvez seja a educação. Eles sabem que sem educação pública de qualidade não teriam se tornado o que são. A visita a uma escola pública de um país desenvolvido deveria constar de roteiros turísticos. O que se vê, no geral, são instituições parecidas com nossas melhores escolas particulares. Com raras exceções, é nas escolas públicas que todos estudam, é nelas que se começa a romper a lógica que, entre nós, tantas vezes condena filhos de pobres à pobreza. Como por lá quase todos estudam em escolas públicas, a pressão para que elas sejam boas é bem maior. Fica a sugestão: a próxima vez que um político afirmar que uma besteira qualquer feita por seu governo "é de primeiro mundo", pergunte se as escolas públicas de sua cidade também são dignas do elogio.
Fernando Molica é jornalista e escritor

Nenhum comentário:

Postar um comentário