ANN LOUISE BARDACH
OPINIÃO ENSAIO
SANTA BARBARA, Califórnia - Fidel Castro governou seu país por mais de cinco décadas, e seu dedicado discípulo de 57 anos, o presidente Hugo Chávez da Venezuela, declarou seu desejo de prolongar sua revolução bolivariana por um futuro longínquo.
Ambos enfrentam hoje seus maiores desafios, vindos não de movimentos de oposição ou dissidentes, mas de seus próprios corpos fragilizados.
Fidel quase morreu em 2006 durante cirurgia de cólon para tratar uma diverticulite crônica.
Hugo Chávez, que esteve em Cuba em cada fase dos cinco anos de convalescença de Fidel, hoje luta pela própria vida, depois que um tumor do tamanho de uma bola de beisebol foi retirado de seu abdômen no principal hospital de Havana, em junho.
Foi Fidel, e não um oncologista, um cirurgião ou um parente, quem deu a má notícia para Chávez depois da cirurgia e quem determinou seu prognóstico e tratamento -juntamente com suas dicas costumeiras sobre relações-públicas e estratégias políticas. É provável, com base em suas cirurgias, sintomas e tratamento, que Chávez tenha um câncer colorretal em metástase. O presidente, que raspou a cabeça, começou sua terceira série de quimioterapia na Venezuela.
Ironicamente, os mais temíveis homens-fortes do hemisfério foram derrubados, pelo menos por enquanto, por problemas abdominais -isto é, por suas tripas.
A simbiose entre o ex-comandante em chefe de Cuba e o coronel transformado em sultão do petróleo na Venezuela é a mais poderosa e fascinante aliança política nas Américas. Cinco anos antes de se tornar presidente em 1999 e dois anos depois de uma tentativa de golpe frustrada, Chávez foi libertado da prisão e voou para Havana na esperança de encontrar seu herói revolucionário. Esperando para recebê-lo no aeroporto estava o próprio homem. Desde então foi um caso de amor, com Chávez declarando que a Venezuela navega no "mar de felicidade" de Cuba. Fidel hoje recebe a adoração de um líder que o chama de "meu pai".
De modo mais crucial, depois que Cuba perdeu seu patrono russo e despencou em queda livre econômica, Chávez deu a seu amigo um dos presentes mais generosos da história -cerca de 100 mil barris de petróleo por dia, grátis, sem condições- enquanto Cuba os quiser. Em troca, Fidel enviou milhares de médicos para Caracas -um acordo ridicularizado por alguns críticos como "óleo por unguento".
Em 2002, quando um golpe parecia ter tirado Chávez do poder, foi Fidel quem passou noites ao telefone, tutorando seu protegido em uma estratégia para recuperar o poder e se livrar de seus inimigos. "Não renuncie! Não renuncie! Eu lhe dizia", contou Fidel em sua autobiografia.
Desde então, Ramiro Valdés, um proeminente policial e chefe espião de Cuba, transformou Caracas em um segundo lar, reorganizando os militares, a polícia e os serviços de internet da Venezuela (um cabo de fibra óptica conecta os dois países como um cordão umbilical). Assessores cubanos estão espalhados pelos ministérios venezuelanos, oferecendo conselhos sobre tudo, de alfabetização a movimentos de oposição. Não haverá outro golpe, ou muitas mais eleições.
"No fundo", diz o convalescente-em-chefe da Venezuela, "somos um só governo". Não é à toa que a chamam de "Venecuba".
Portanto, se a saúde de qualquer deles piorar -e ambos estão caminhando no fio da navalha- todas as apostas se esvaem. Não é possível exagerar o simbolismo que cerca Fidel Castro na América Latina; a legitimidade de Chávez como revolucionário bolivariano depende em grande parte do fato de ele ser um pupilo de Castro. E se Chávez sucumbir à doença ou for (de alguma forma) demitido nas urnas, a torneira de petróleo de Cuba poderia ser desligada por um sucessor menos generoso. Raúl Castro, que está tentando salvar a economia falida de Cuba com todo tipo de reparos e reformas, é dependente da generosidade venezuelana.
Mas, apesar de ele parecer frágil e desequilibrado durante sua breve aparição "ao vivo" na conferência do partido comunista em abril, eu seria contra qualquer aposta no encontro de Fidel com seu criador. Um digno rival de Lázaro, ele sobreviveu a três grandes cirurgias e à perda de boa parte das vísceras abdominais, para não falar aos governos de dez presidentes americanos.
Caso Chávez termine sua espiral mortal antes de seu aliado cubano, o superestrategista Fidel Castro sem dúvida temalgum tipo de plano de contingência -como foi obrigado a fazer após os soviéticos se afastaram. Confiança e sentimentalismo não fazem parte de seu credo político. Discutindo uma antiga traição de um companheiro que se tornou informante, Fidel disse que aprendeu uma lição crucial: "Você não deve confiar em alguém só porque é um amigo".
"Fidel é uma força da natureza", disse seu amigo, o escritor Gabriel García Marques. "Com ele, nunca se sabe." Ou, como lamentam em Miami: "imortal até que se prove o contrário".
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