INTELIGÊNCIA/ROGER COHEN, The New York Times
LONDRES
Nos últimos meses, 100 milhões de pessoas em todo o Norte da África foram libertadas -e muita gente vê motivo de preocupação. Eu me pergunto o que deixaria esses preocupados felizes.
Não havia uma onda de libertação como essa desde a queda do Muro de Berlim, em 1989. Na época, os pessimistas argumentaram contra uma expansão da Otan como forma de garantir a segurança dos Estados recém-liberados do jugo soviético. Seria provocar Moscou. Seria muito caro. Não seria viável.
Mas a adesão à aliança acabou representando a esses traumatizados Estados a garantia de que não haveria retorno à subjugação, e que suas frágeis aberturas democráticas iriam perdurar.
Em tempos de transição dramática, é importante pensar sobre onde você quer estar dentro de uma década, qual é a melhor maneira de chegar lá, e como evitar ser afastado do rumo por inevitáveis contratempos. Então, que países queremos que Líbia, Egito e Tunísia sejam em 2021?
Que sejam sociedades que tenham dado esperanças às suas jovens populações; que sejam abertas, decentes e responsáveis; que tenham encontrado um equilíbrio aceitável entre democracia e islamismo; e onde o Estado de direito tenha substituído os caprichos do nepotismo.
As três nações estariam fortalecidas nessa busca se tomassem emprestadas as ideias da União Europeia e começassem a construir uma zona de livre comércio que as unissem.
Esses podem soar como objetivos implausíveis numa área com pouca tradição democrática, pobreza disseminada e populações cuja iniciativa foi drenada por décadas de opressão. Mas a história é inútil se for usada apenas para sugerir que algo é impossível se não tiver precedentes.
Não havia precedentes para a União Europeia depois da Segunda Guerra Mundial, mas as suas instituições se revelaram notáveis garantias daqueles primeiros sonhos de uma paz europeia inquebrantável.
Existem no Egito, na Líbia e na Tunísia elementos significativos para a construção de sociedades abertas. Eles começam com a rejeição dos jovens árabes ao despotismo. Eles querem viver no mundo moderno. Muitas vezes eles são apaixonados por sua fé, mas igualmente apaixonados pela necessidade de conciliá-la com instituições que garantam liberdade e dignidade pessoais.
A emoção que senti no Cairo, em Benghazi e Túnis estava vinculada acima de tudo a uma ideia: que os cidadãos podem ser agentes das suas próprias vidas e moldarem os seus destinos, ao invés de se curvarem a uma autoridade ao mesmo tempo opaca e cruel.
Esses são países com classes médias significativas, fronteiras estáveis e talentosas comunidades na diáspora, que podem ser atraídas a voltar. Eles também têm a geografia a seu favor: a Europa fica logo do outro lado do mar, e, sendo a imigração uma questão delicada, ela tem interesse estratégico no sucesso político e econômico dos vizinhos ao sul.
Mas e a pobreza? E os movimentos islâmicos, como a Irmandade Muçulmana no Egito e a Al Nahda na Tunísia, que podem representar mais de 20% dos votos e estão mais bem organizados do que seus rivais, especialmente no apelo às camadas mais pobres?
Três argumentos devem ser citados. Primeiro, que nada atiçou mais o islamismo radical do que a repressão. Segundo, que essas transições serão acidentadas e difíceis, mas que o grande mérito da democracia é permitir que as diferenças sejam expostas.
Terceiro, que tanto na Irmandade Muçulmana quanto na Al Nahda há fortes correntes modernizantes, determinadas a conciliar o islã com as sociedades representativas: o seu modelo é a Turquia, não o Irã.
Muitos, inclusive o premiê Binyamin Netanyahu, de Israel, já alertaram para o perigo da ascensão islâmica ao poder, aludindo às abortadas esperanças da revolução de 1979 no Irã.
Mas, em vez de olhar para décadas atrás, é fundamental enxergar uma década à frente e ter ousadia no apoio à busca de 100 milhões de árabes libertados por, enfim, moldarem as suas próprias vidas.
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