2 de outubro de 2011

Após críticas de americana a aulas brasileiras, estudantes estrangeiros se dividem sobre qualidade do ensino superior no Brasil


02 de outubro de 2011
Educação e Ciências | O Globo | O País | BR
 Entre a descontração e o descompromisso



CARGA LEVE: o italiano Simone Valiante  diz que, em seu país, precisa estudar três vezes mais para dar conta das exigências; a colombiana Adriana Cleves  conta que no mestrado da USP se lê o mesmo que na sua graduação na Colômbia





NO RIO, o americano Andrew Godinich critica a repercussão do texto da colega na PUC-Rio, que apontou falta de interesse dos alunos; já Hiroki Kasuro, do Japão, conta que a relação com os professores é mais informal


Leonardo Cazes
leonardo.cazes@oglobo.com.br
Tatiana Farah
tatiana.farah@sp.oglobo.com.br

RIO e SÃO PAULO. Alunos conversam e brincam com seus celulares em sala de aula, enquanto professores alertam que trabalhos não podem ser copiados da Wikipédia. Foi assim que a estudante americana Flora Thomson-DeVeaux descreveu suas aulas na PUC-Rio, onde faz intercâmbio no curso de Letras. O texto da aluna da Princeton University, publicado em um blog da revista "Piauí", botou fogo numa discussão que vem tomando conta dos campi nacionais à medida que mais estudantes estrangeiros marcam presença em universidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Afinal, nossas aulas são mais fracas e os alunos mais desinteressados do que lá fora?
Nem os universitários "importados" são unânimes sobre o tema: enquanto alguns se dizem "praticamente de férias" no Brasil, outros acreditam que a maior diferença é cultural, especialmente na relação entre alunos e professores.
Americana diz se sentir como no ensino médio
Em seu texto, que circula pelas redes sociais provocando polêmica, Flora diz que, na PUC, se sente como no ensino médio dos Estados Unidos. Em um trecho, ela relata o comentário de uma colega brasileira sobre as disciplinas que iria fazer: "Só é preciso aparecer em algumas aulas e ler os textos na véspera da prova" para conseguir a aprovação. Em seguida, a americana comenta: "Eu ri nervosamente, na esperança de que ela (a colega) estivesse brincando, mas não parecia ser o caso".
Há dois meses na Escola Politécnica da USP (Poli-USP), o italiano Simone Valiante faz coro ao texto de Flora: ele diz que o curso de Engenharia Nuclear em Torino, na Itália, onde estuda, "é três vezes mais difícil do que no Brasil".
- Na Itália, quem não estudar muito vai se dar mal. Aqui, é diferente. O pessoal estuda um pouco menos, embora fique muito mais tempo na escola. Tem gente que vai à aula para dormir e marcar a presença. Acho que isso ocorre porque as aulas são obrigatórias. Em Torino, não - diz Valiante.
O futuro engenheiro pretende voltar ao Brasil para o mestrado e exalta a qualidade dos professores daqui. Ele aponta diferenças entre o estilo de vida dos universitários:
- No Brasil, as pessoas bebem um pouco mais, mas fumam muito menos do que na Itália. Na USP tem muitas festas, mas intercâmbio não é só estudar, é conhecer as pessoas, o país. Quero voltar depois de formado para fazer o mestrado.
Para o estudante japonês Hikori Kurosu, que faz graduação em Estudos Estrangeiros na Universidade de Tóquio e está desde março no Brasil, em intercâmbio na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o que chamou a atenção foi a informalidade em sala. Ele conta que no Japão não há muito diálogo: o professor fala, os alunos ouvem e anotam.
- No Brasil, fala-se mais com o professor na aula. Lá no Japão, o professor passa só o básico na aula, e você precisa aprofundar em casa. Aqui, é o contrário. E o pessoal estuda mais quando está próximo das provas - diz Hiroki.
Opinião parecida tem a portuguesa Clarice Vaz de Oliveira, que veio da Universidade de Évora, onde estuda Veterinária, para a USP.
- Pode-se ter um clima de muita descontração, mas todos são sérios no que fazem. E tem uma coisa: as aulas são muito explicativas. A gente tem as aulas e estuda muito aqui durante todo o semestre - afirma Clarice, destacando que há "baldas" (como são chamados os alunos relaxados em Portugal) em todo lugar.
Conterrânea de Clarice, Ana Filipa Pedrosa faz Educação Física na Universidade de Coimbra e chegou ao Brasil no início de agosto para estudar seis meses na Uerj. Sem cerimônia, ela diz que é muito pouco exigida nas disciplinas.
- Eu me considero de férias. Não sei se foi devido às matérias que peguei, mas é tudo muito fácil. Em Portugal, tinha mais provas e trabalhos para entregar. Aqui estou, inclusive, estagiando em duas academias e aproveitando para ganhar experiência profissional. O relacionamento mais informal entre alunos e professores também chama a atenção - diz Ana Filipa.
Já Adriana Cleves, colombiana que faz História na USP e Sociologia na Universidade de Rosário, a mais antiga de seu país, conta que estranhou o pouco volume de textos lidos no curso brasileiro.
- Um estudante de mestrado na USP lê a mesma quantidade que um aluno de graduação na Colômbia. Mas isso não quer dizer que se estude menos. Aqui, se aprofunda um pouco mais.
Dentro da PUC-Rio, o texto de Flora virou o assunto principal nos corredores e salas de aula. É difícil encontrar um aluno que não tenha lido. Andrew Godinich, estudante de Política Internacional na Columbia University, em Nova York, que veio passar seis meses na instituição, concorda com a opinião da colega, embora considere exagerada a reação dentro da universidade.
- Em Columbia, há uma forma diferente de ensinar. Temos mais discussão em sala e mais trabalho para fazer fora das aulas. Não foi polêmico o que Flora escreveu, ela só relatou a experiência dela. Os professores têm comentado muito o texto em sala. Se alguém nos Estados Unidos escrevesse um texto dizendo que Princeton era fácil, ninguém ligaria, porque todos sabem que não é verdade. Se houve essa reação desproporcional, é porque as pessoas já pensavam isso - defende Andrew.
Estudantes de todo o mundo vêm ao Brasil
Coordenadora do projeto de intercâmbio internacional da PUC-SP, a pesquisadora Renée Zicman conta que a universidade recebe 150 estrangeiros, e que este número cresce a cada ano. Antes, eram mais latino-americanos, caribenhos e africanos, por conta dos programas históricos de intercâmbio cultural. Agora, vêm estudantes de todo o mundo, segundo ela, atraídos pela imagem de projeção internacional do Brasil.
Procurada, a assessoria de imprensa da PUC-Rio informou que não iria se pronunciar sobre o texto publicado no blog da "Piauí".

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