23 de outubro de 2011

Ray Kurzweil "Antes de 2030 poderemos namorar robôs"


23 de outubro de 2011
Educação e Ciências | Revista IstoÉ | Entrevista | BR



PRESENTE "Já colocamos parte das nossas obrigações e memórias nas mãos de máquinas", diz ele



"O computador será superior a nós. Ele terá memória perfeita, comunicação veloz e habilidade para se aprimora"



"Teremos robôs do tamanho de células que entrarão no nosso corpo, melhorarão nosso sistema imunológico e aumentarão nosso tempo de vida"

O futurista preferido de Bill Clinton e Bill Gates diz que o computador terá inteligência humana em vinte anos e a morte será contornável
por João Loes

Ele recebeu três condecorações presidenciais por seu trabalho, acumula 19 doutorados honorários, é autor de seis livros, sendo cinco best-sellers e tem mais de 15 patentes em seu nome, além de US$ 30 milhões de patrimônio. Nada disso, porém, deu ao americano Ray Kurzweil, 63 anos, cientista da computação, inventor e um dos mais importantes futuristas do mundo, o que ele sempre quis: a imortalidade. Mas ele não desanima. "Não há nada que diga que precisamos envelhecer e morrer", insiste Kurzweil, que toma 150 comprimidos por dia e cuida obsessivamente da própria dieta. Uma de suas previsões é de que a vida humana poderá se estender de maneira quase ilimitada a partir de 2036. Formado pelo prestigioso Massachusetts Institute of Technology (MIT), é guru de tecnologia do ex-presidente americano Bill Clinton e do fundador da Microsoft, Bill Gates. No momento, ele dá os toques finais em seu próximo livro, sobre inteligência artificial, intitulado "How The Mind Works and How To Build One" (Como a mente funciona e como construir uma).
ISTOÉ - Como o sr. virou um futurista?
RAY KURZWEIL - Sou um inventor desde os 5 anos. Nos anos 1980, já adulto, percebi que para ter sucesso como inventor eu tinha de ter timing. As coisas precisam ser criadas para funcionar na hora certa. E para criar algo para o futuro, tinha de saber como seria o futuro.
ISTOÉ - O que o sr. fez?
RAY KURZWEIL - Juntei dados da evolução tecnológica de diversos setores e observei padrões interessantes. Um deles foi que a potência disponível de computação aumenta exponencialmente com o avançar do tempo, enquanto o preço da tecnologia cai drasticamente. Avaliei dados de 1890 a 1980 e percebi que a trajetória de evolução era estável e bastante previsível. Isso apesar de crises econômicas e guerras mundias. Nada tinha efeito na curva ascendente de potência e descendente de preço. E a curva ascendente era exponencial. Ela dobrava a cada etapa de tempo e as etapas de tempo estavam cada vez mais curtas. Em 1900 a potência dobrava a cada três anos, em 1950 a cada dois anos e em 1980 a cada ano e meio. Hoje dobra a cada 11 meses.
ISTOÉ - E o que isso diz sobre o futuro?
RAY KURZWEIL - Criei um modelo que me mostra quais ferramentas tecnológicas estarão a meu dispor em diferentes momentos. Não posso prever quais produtos terão sucesso, mas sei quais recursos estarão disponíveis. Esse modelo se aplica em várias campos. O número de bits movidos sem fio, o número de bases de DNA decodificadas. Medi centenas de variáveis. Todas se comportavam assim. Esse conceito do crescimento exponencial é difícil de entender, é contraintuitivo. Tendemos a achar que as coisas continuarão evoluindo no ritmo que conhecemos. Mas a realidade não é essa.
ISTOÉ - O sr. pode dar um exemplo da aplicação desse modelo?
RAY KURZWEIL - No começo do projeto genoma previ que levaríamos 15 anos para sequenciar todo o genoma humano. Os céticos argumentavam que levaria centenas, milhares de anos. Uns sete anos depois do início do projeto, só 1% estava concluído. Vieram atrás de mim argumentando que, se levou sete anos para fazer 1%, vai levar 700 para completar 100%. Respondi que não. Afinal, quando se chega a 1% da execução de um projeto, cuja velocidade aumenta exponencialmente, você só precisa de sete duplicações na velocidade para chegar aos 100%. Foi o que aconteceu.
ISTOÉ - Como é que o conceito da singularidade, criado pelo sr., se encaixa nesse raciocínio?
RAY KURZWEIL - A singularidade é o ápice, o fim desse crescimento exponencial. Há várias formas de definir a singularidade. Uma delas é a explosão da inteligência. Em 2029 o computador terá inteligência humana. Quando isso acontecer ele será superior a nós. Terá memória perfeita, comunicação veloz, acesso ao desenho dele mesmo e habilidade para se aprimorar. Nesse ritmo, quando chegarmos a 2045, a parte não biológica da nossa sociedade terá aumentado em um bilhão de vezes. É uma transformação tão poderosa que a chamamos de singularidade. A singularidade é um conceito da física. É o buraco negro, onde as forças de gravidade são tão fortes e as coisas acontecem de maneira tão caótica que fica impossível prever o que há do outro lado. A partir de 2045 a sociedade e a vida como a conhecemos terão se transformado tanto que é difícil prever como será.
ISTOÉ - Como será o mundo na iminência da singularidade?
RAY KURZWEIL - Passaremos boa parte do nosso tempo em ambientes de realidade virtual. A partir de 2030 as realidades fabricadas pelas máquinas serão transmitidas diretamente para o nosso cérebro. Os computadores simularão os sinais produzidos pelos nossos sentidos. Para o cérebro, será como se tudo aquilo fosse real. Poderemos recriar a praia brasileira, com a brisa e a areia entre os dedos ou outras experiências sensoriais.
ISTOÉ - Teremos robôs androides?
RAY KURZWEIL - Em até 15 anos teremos robôs para limpar a mesa da cozinha e lavar a louça, por exemplo. Pouco depois teremos robôs que cuidarão de pessoas doentes. E antes de 2030 poderemos até namorar robôs. Os computadores passarão o teste de Turing, criado para distinguir a inteligência artificial da humana, em 2029. Ou seja, a partir daí não conseguiremos fazer essa distinção no plano intelectual. Teremos relações emocionais com os computadores porque as reações deles serão indistinguíveis das humanas. Quando a hora chegar, meus modelos mostram que estaremos prontos.
ISTOÉ - O sr. concorda que todo futurista é um otimista?
RAY KURZWEIL - Fui acusado de ser otimista. Sou um empreendedor e empreendedores são otimistas. Mas não vivo alheio aos perigos da tecnologia, que é uma faca de dois gumes. Isso desde a descoberta do fogo, que aquece, mas também incendeia. Hoje podemos reprogramar a biologia para evitar doenças, mas a mesma tecnologia pode ser usada por bioterroristas para reprogramar um vírus e transformá-lo em arma biológica. Mas não acho que a solução seja abrir mão da tecnologia. Acredito na ideia de usá-la para criar defesas. Trabalhei com o Exército americano no desenvolvimento de um sistema de defesa de um ataque bioterrorista. O risco é administrável e sou otimista, mas não utópico.
ISTOÉ - Não é perigoso ter computadores desenvolvendo a si mesmos?
RAY KURZWEIL - Esse medo não faz sentido. Os computadores já fazem parte da nossa vida. Já colocamos parte das nossas obrigações, memórias pessoais, sociais e históricas nas mãos das máquinas. Elas já são parte de nós. O futuro das tecnologias é o nosso futuro. Não é um futuro que chega como uma invasão alienígena.
ISTOÉ - Que posição países emergentes como o Brasil têm nesse cenário?
RAY KURZWEIL - Uma tendência importante é que as tecnologias de ponta que mudam o mundo nem sempre precisam de muito investimento. Quanto investimento foi feito para lançar o Facebook? Acho que foram US$ 19 mil e alguns laptops. O Google começou como um desafio de madrugada no quarto da faculdade. Jovens com computadores de US$ 1 mil criaram isso.
ISTOÉ - Qual o papel da educação?
RAY KURZWEIL - O importante é a atitude do aluno e das escolas diante da educação. Esses meninos, como Zuckerberg (criador do Facebook), que mudaram o mundo, não tinham só conhecimento, eles tinham espírito empreendedor. Mostraram que é viável olhar para o mundo, imaginar como ele pode ser e correr atrás. Sou um grande defensor da introdução, cada vez mais intensa, do espírito empreendedor no ensino médio. As escolas estão preocupadas demais em ocupar as crianças o máximo de tempo possível com ensino. Eu acho que se aprende melhor fazendo. Se a criança tenta resolver um problema de verdade e não um específico criado para testá-la, ela aprende mais e melhor.
ISTOÉ - Que avanços tecnológicos em uso podem mudar o futuro na saúde?
RAY KURZWEIL - Por trás da revolução em curso na medicina, está uma grande transformação: a troca dos métodos de tentativa e erro pelos métodos que usam a tecnologia da informação para criar soluções pontuais, que ataquem um problema diretamente. Isso é viável porque hoje temos o software da vida, o genoma humano. Podemos reprogramar o nosso genoma como se reprograma um computador.
ISTOÉ - Mas o que poderia ser feito?
RAY KURZWEIL - Eu gostaria de poder dizer aos meus receptores de gordura que eles não precisam segurar todas as calorias que eu ingerir porque sei que a próxima estação de caça será boa. Assim, posso comer sem engordar. Isso já foi feito em ratos. Temos outro projeto correndo que prevê a inclusão de genes específicos em células pulmonares. Tiramos a célula de pulmão do corpo, adicionamos esse gene no laboratório, fazemos a célula se replicar aos milhões e depois as reinjetamos no sangue. Elas voltam para o pulmão e consertam os problemas por lá. Esse procedimento já curou a hipertensão pulmonar.
ISTOÉ - Viver eternamente é possível?
RAY KURZWEIL - Não há nada que diga que precisamos envelhecer e morrer, pois tudo pode ser contornado com engenharia genética. Não precisamos adoecer, não há necessidade. O processo de evolução biológica foi criado, originalmente, para manter as espécies vivas tempo suficiente para se reproduzir. Há mil anos a expectativa de vida era de 23 anos. No século XIX era de 37. Creio que poderemos contornar as razões que nos levam à morte.
ISTOÉ - Como é que o sr. lida com a inevitabilidade da sua morte?
RAY KURZWEIL - Aceito, mas acho que posso estender a vida. Escrevi três livros de saúde. No último, com o médico Terry Gross, falamos de três pontes que devem ser cruzadas para viabilizarmos a extensão radical da vida. A primeira é o que se pode fazer agora. Como muito bem e tomo suplementos 150 vitaminas por dia. Meu objetivo é conseguir chegar à segunda ponte, que deve acontecer daqui a 15 anos. Nela veremos o desabrochar da revolução biotecnológica. Poderemos reprogramar os processos de informação que regem a nossa própria biologia, nos afastando das doenças e do envelhecimento. E esse é o caminho para a terceira ponte, que é a revolução da nanotecnologia. Teremos robôs, do tamanho das células, que entrarão no corpo, melhorarão nosso sistema imunológico, nos tornarão mais inteligentes e aumentarão nosso tempo de vida. Estamos a 25 anos disso. Estamos a 15 anos de começar a aumentar um ano de vida a cada dois anos.
ISTOÉ - Que previsões o sr. errou?
RAY KURZWEIL - Escrevi um ensaio de 150 páginas fazendo um balanço de todas as previsões que fiz nos últimos 25 anos. Das 147 previsões a ser cumpridas até 2009, 86% estavam corretas. A média de acerto dos futuristas é de 10%. Mas uma que pode ser contada como errada é a de que teríamos carros que se dirigem sozinhos em 2009. Eles existem, mas não da maneira ampla que previ.

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