21 de janeiro de 2012

Autonomia para fazer as melhores escolhas

21 de janeiro de 2012
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POR ELENITA FOGAÇA
Com a economia aquecida, fortalece-se a necessidade de educar jovens para garantir a saúde econômica do País contra uma publicidade que mira cada vez mais crianças

"As pessoas hoje gastam mais do que ganham, compram o que não precisam para impressionar quem elas não gostam." A frase do professor de educação financeira da BM&FBovespa, José Alberto Netto Filho, dita nos bastidores do seminário Diálogos Capitais, resume o atual comportamento de muitos brasileiros: endividados, engordando os números da inadimplência e, não raro, infelizes por nunca sair do vermelho.

Se você faz parte desse grupo ou conhece alguém que faça, não se desespere. Especialistas reunidos no evento Consumo Consciente e Educação Financeira para Crianças e Jovens garantem que existe, sim, luz no fim do túnel. "Mas a pessoa tem de se conscientizar de que precisa mudar de comportamento, por ela e por seus filhos, pois a tendência é eles repetirem esse modo de agir", explicou o professor.

Além de Netto Filho, participaram do seminário, patrocinado pelo Banco Itaú Unibanco, Juliana Barral, gerente executiva da Universidade do Banco Central, Antonio Henrique Silveira, secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, Sérgio Jamal Gotti, diretor de Formulação de Conteúdos Educacionais do Ministério da Educação e Cultura (MEC), José Alexandre cavalcanti Vasco, superintendente de Proteção e Orientação aos Investidores da comissão de Valores Mobiliários (CVM), e Lais Fontenelle Pereira, coordenadora de Educação e Pesquisa do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana. Atuando como mediadora, compareceu a superintendente de Sustentabilidade do Banco Itaú Unibanco, Denise Hills.

Se o termo educação financeira o assusta, saiba que não está sozinho. De acordo com Silveira, 71% dos japoneses adultos näo têm noções básicas de modalidades de investimentos financeiros. Na Austrália, só 28% dos adultos conseguem lidar com o conceito de juros compostos. Já os canadenses consideram a decisão de aplicação num plano de aposentadoria programada mais estressante do que ir ao dentista. "A educação financeira é particularmente importante no Brasil, que passa por um processo de forte transformação social com a ascensão de uma nova classe média", destacou.

A conta é simples, Economia aquecida gera mais empregos com carteira assinada, oferta de crédito e abundância de produtos. Resultado: vamos às compras. Sempre acompanhados de nossos cartões de crédito e contando com uma mãozinha do cheque especial. "Essas são as duas linhas de crédito que mais crescem no País, e são as que têm as maiores taxas de juro", revelou.

De 2005 a 2010, a classe C passou de 34% para 53% da população e aumentou de 39 milhões de pessoas para 102 milhões. Conforme estudo realizado pelas consultorias Bain & Company e Euromonitor, apresentado no seminário no espaço Reserva Cultural, localizado na Avenida Paulista, em São Paulo, estima-se que o consumo anual brasileiro crescerá de 786 bilhões de dólares em 2007 para 1 trilhão de dólares em 2012. O endividamento do brasileiro está em torno de 30% do seu rendimento anual e a inadimplência bancária, que inclui cartão de crédito, carnê de lojas e cheque especial, no primeiro semestre deste ano, subiu 22%, o maior porcentual desde 2003

Aprender sobre dinheiro na escola

A urgência da educação financeira para os brasileiros é tanta que o governo federal, no ano passado, formulou o Decreto 7.397, que institui a Estratégia Nacional de Educação Financeira (Enef). "Ela não pode limitar-se ao repasse de informações. Requer estratégias que modifiquem hábitos arraigados de consumo, poupança, modo de vida", destacou barral. Por isso, a estratégia do governo visa a educação e, desde agosto de 2011, cerca de 900 escolas públicas passaram a integrar um projeto piloto que ensina a administrar o dinheiro de maneira inteligente.

"Nosso objetivo é que os alunos sejam multiplicadores desse conhecimento", disse Gotti. Para Vasco, a ação integrada com os educadores será fundamental para uma mudança de comportamento que está instaurada há muitas gerações. "A população precisa de informação para que possa ocorrer a inclusão financeira, o consumo consciente, e para que não tenha de viver sempre no vermelho. Pais poupadores têm filhos poupadores."

Sendo mantida a tendência hoje observada no processo de desenvolvimento do País - redução das desigualdades, alterações na distribuição da renda, ampliação progressiva da classe média e redução da pobreza extrema -, a sociedade terá mais possibilidades de consumo de produtos e serviços, incluindo os financeiros. Nesse cenário, caso não haja uma política de Estado focada na educação financeira da população, as crescentes decisões de consumo e poupança serão tomadas por cidadãos ainda pouco familiarizados com as peculiaridades desses produtos e serviços.

"Um dos propósitos da Enef nas escolas, portanto, e educar crianças e adolescentes para lidar não só com o dinheiro, mas também para planejar sua trajetória de vida. Preparar-se, de forma segura para oscilações econômicas, independentemente de possuir poucos. ou muitos recursos financeiros para sua manutenção", expôs Barral.

De acordo com Gotti, o objetivo das ações integradas no MEC não é criar uma disciplina de educação financeira, mas, sim, promover e fortalecer a cidadania por meio de ações que visam o consumo consciente e o planejamento financeiro, e desenvolver nas crianças e nos jovens a autodisciplina no que diz respeito à educação financeira.

A necessidade de difundir conhecimentos a respeito das diferentes formas de poupar e de preparar uma aposentadoria tranquila foi ressaltada pelo professor Netto Filho, da BM&FBovespa. Ele apresentou os diferentes cursos gratuitos de sua instituição para famílias, mulheres e jovens. "A educação financeira tem um papel fundamental de criar uma cultura de investimento de longo prazo no Brasil", disse.

Segundo ele, são comuns os casos de pessoas que não se programam e, ao chegar aos 40 anos, por exemplo, não pouparam nada. Nesse momento, consideram se casos perdidos. "Nos nossos cursos, mostramos que elas podem mudar, pois, com essa idade, hoje, podem viver mais o dobro e a mudança de comportamento em relação ao dinheiro pode lhes garantir uma aposentadoria segura." A mediadora do Itaú Unibanco, Denise Hills, ponderou que todos têm de trabalhar para ganhar dinheiro até a aposentadoria. "Porém, depois dela, é preciso ter poupado o suficiente para que o dinheiro trabalhe para si.

A BM&F Bovespa participa da Estratégia Nacional de Educação Financeira no desenvolvimento e no patrocínio de material e é responsável pela relatoria do capítulo que prevê ações de implantação do tema oficialmente nas escolas brasileiras. "Dentre as ações previstas, estão a formação do Grupo de Apoio Pedagógico e o desenvolvimento dos materiais didáticos.

A educação financeira, ao melhorar a compreensão dos indivíduos sobre produtos (por meio de informação, formação e orientação claras), possibilita que os cidadãos se tornem conscientes das oportunidades e dos riscos envolvidos na utilização desses. Assim, podem fazer escolhas melhores, sabem onde procurar ajuda e adotam outras ações que melhoram o seu bem-estar. Em resumo, permite que, entre outras coisas, gerenciem seu orçamento familiar, suas dívidas, seus investimentos e planejem futuro.

BOMBARDEIO CONSUMISTA

Do outro lado do cabo de força que travam aqueles que estabelecem programas de educação para jovens estão os fabricantes e anunciantes de produtos infantis.

Dados apresentados por Lais Fontenelle Pereira, do Instituto Alana, chocaram a plateia e expuseram o quanto o setor investe em acelerar e incentivar o consumo entre crianças cada vez mais jovens.

"A tevê infantil tem um anúncio a cada dois minutos e a criança brasileira passa, em média, cinco horas na frente do aparelho. Já na sala de aula, efetivamente, elas passam 3 horas e 15 minutos", comparou. Hoje em dia, é comum ouvir de crianças de menos de 5 anos frases como: "Compra mãe!", "Se não tiver dinheiro, pegue no banco!", "Pague com cartão!". A princípio, pode até soar engraçadinho, mas é um alerta para que os pais observem como é a relação de seu filho com o dinheiro.

Educar financeiramente essas crianças e desenvolver uma cultura de consumo consciente é um grande desafio de pais e mestres, pois os adversários são fortes. "Bastam 30 segundos para uma marca de alimentos influenciar uma criança. E mais: 70% das crianças de 3 anos reconhecem o símbolo do McDonald's, mas apenas metade sabe seu sobrenome", acrescentou.

Ainda de acordo com Pereira, 65% das meninas exploradas sexualmente usam seu dinheiro para bens de consumo, sendo o celular o item mais cobiçado. Sobre o aparelho, cerca de 60% das crianças ou jovens possuem telefone próprio, 25% das de 9 anos já possuem aparelho e 81% de todas elas utilizam o celular três ou mais vezes por semana.

Em 2008, o segmento de moda infantil no Brasil faturou 4,5 bilhões de dólares, fatia equivalente a 15% do total do mercado têxtil no País. Paralelamente, o mercado de cosméticos para crianças cresce três vezes mais no Brasil do que nos Estados Unidos.

As conclusões da pesquisa do Instituto Alana são que a publicidade dirigida à criança causa consumismo, obesidade e distúrbios alimentares, além de erotização, estresse familiar, diminuição de brincadeiras criativas, violência pela busca de produtos caros e consumo precoce de álcool e tabaco. "Recebemos a denúncia de uma mãe que espancou a filha porque a criança quebrou uma boneca caríssima, com uma semana de uso, o que gerou total descontrole nela", relatou.

A educação financeira é importante, mas é apenas um pilar para a melhora do conhecimento e do acesso aos serviços financeiros. Pode complementar, mas não substitui outros aspectos de uma política financeira saudável, tal como a proteção ao consumidor e às crianças, como está bem garantida por leis.

Unânimes, os especialistas afirmam que o tema está totalmente integrado à sustentabilidade, uma vez que desequilíbrios de natureza financeira pessoal, quando ocorrem em massa, podem afetar a solidez do sistema financeiro e interromper o processo de crescimento econômico. "A estabilidade da moeda, o crescimento econômico do País e o consequente aumento do poder aquisitivo da população, com o acesso aos serviços financeiros de classes que anteriormente estavam à margem, trazem à tona a necessidade do tripé de sustentação: inclusão financeira, proteção ao consumidor e educação. Sem ele, ações isoladas de qualquer uma das frentes correm o risco de não atingir o objetivo almejado, ou, ainda, de surtir efeitos negativos na economia", observou Barral.

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O comportamento dos pais tende a ser repetido pelos filhos, diz José Alberto Netto Filho

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Olho no futuro. Urgência do ensino financeiro foi ressaltada por Juliana Barral, da Universidade do Banco Central, e Antonio Henrique Silveira, do Ministério da Fazenda

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Enquanto o MEC foca a conscientização, segundo Sérgio Jamal Gotti, a tevê infantil tem um anúncio a cada 2 minutos, alerta Lais Fontenelle Pereira

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Mudança de padrão.

Ação de educadores é essencia1 para mudar vícios de gerações, afirma José Alexandre Cavalcanti Vasco.

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