1 de fevereiro de 2012

Made in mundo - THOMAS L. FRIEDMAN


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Líderes políticos veem criação de empregos como fenômeno nacional, mas mundialização da produção é irreversível

 

 

Após o debate dos pré-candidatos republicanos à Casa Branca, na Flórida, na semana passada, o ex-presidente de Cuba Fidel Castro escreveu um artigo no qual afirmou que "a escolha de um candidato republicano desse império globalizado e amplo é - e afirmo seriamente - a maior competição de idiotice e ignorância jamais vista". Quando marxistas estão se queixando de que políticos estão distantes das realidades globais de hoje, isso não é bom sinal. Mas eles não são os únicos.

Existe atualmente uma enorme diferença entre a maneira que muitos executivos americanos - não só figuras de Wall Street, mas indivíduos à frente de empresas de primeira linha, que produzem coisas e criam empregos - olham o mundo e como a média dos parlamentares, senadores ou o presidente, o encaram. Literalmente, eles enxergam dois mundos diferentes, um fenômeno que se aplica a democratas e republicanos.

Veja a reunião à qual o New York Times se referiu, em fevereiro do ano passado, entre o presidente Barack Obama e o cofundador da Apple, Steve Jobs, que morreu em outubro. O presidente, compreensivelmente, perguntou a Jobs por que quase todos os 70 milhões de iPhones, os 30 milhões de iPads e os 59 milhões de outros produtos vendidos pela Apple eram produzidos no exterior. Obama perguntou: "E esse trabalho não poderia ser feito de novo aqui?". Jobs respondeu-lhe: "Esses empregos estão voltando".

Os políticos veem o mundo como blocos de eleitores vivendo em espaços geográficos específicos. Eles consideram o emprego dessas pessoas uma ampliação dos benefícios econômicos de cada área geográfica. Mas muitas empresas veem cada vez mais o mundo como um espaço em que os seus produtos podem ser produzidos em qualquer lugar, por meio de suas cadeias de suprimento globais (frequentemente constituídas por trabalhadores sem nenhuma proteção sindical) e vendidos no mundo todo.

Esses executivos raramente se referem à "terceirização" atualmente. Hoje seu mundo está tão integrado que não existe mais "fora" ou "dentro".

Nas suas empresas, todos os produtos e muitos serviços são idealizados, projetados, promovidos e fabricados por meio das cadeias de suprimentos globais sempre em busca dos mais talentosos e os menores custos. Eles são "Made in Mundo" e não "Made in Estados Unidos". E é aí que surge a tensão. Há muitas empresas "nossas" que hoje se consideram cidadãs do mundo. Mas Obama é presidente dos Estados Unidos.

Victor Fung, diretor da Li & Fung, a mais antiga manufatura têxtil de Hong Kong, com quem conversei no ano passado, disse-me que durante muitos anos sua companhia operava com base em uma regra: "Você se abastece na Ásia e vende nos Estados Unidos e na Europa". Hoje, a regra é "abastecer em qualquer lugar, manufaturar em qualquer lugar e vender em qualquer lugar". A noção de "exportação" está desaparecendo.
Mike Splinter, CEO da Applied Materials, explicou-me a questão da seguinte maneira: "A terceirização existiu dez anos atrás, quando então você dizia: 'vamos enviar parte da geração de software para o exterior'. Hoje não é esse tipo de terceirização que praticamos. Ela significa apenas onde pretendo ter alguma coisa produzida. Agora seu raciocínio é o seguinte: 'metade dos meus funcionários com doutorado no meu departamento de Pesquisa e Desenvolvimento preferiria viver em Cingapura, Taiwan ou China, pois ali é seu país e eles podem ir para lá e continuar trabalhando para minha companhia'". Assim as coisas evoluem. Ele tem muitas outras opções.

Michael Dell, fundador da Dell Inc., diz: "Sempre lembro às pessoas que, hoje, 96% dos nossos novos clientes potenciais vivem fora dos EUA". É o restante do mundo. E, se empresas como a Dell querem vender para esses clientes, elas necessitam projetar e manufaturar algumas partes dos seus produtos naqueles países.

Oportunidade. Esse é o mundo em que estamos vivendo. E não vai desaparecer. Mas os EUA podem prosperar neste mundo, explicou Yossi Sheffi, especialista em logística do MIT. O país precisa capacitar o maior número possível de nossos trabalhadores para participar dos diferentes elos dessas cadeias de suprimento globais. Podemos conceber, comercializar, desenhar e orquestrar sua cadeia de suprimentos. Também podemos manufaturar produtos de alta qualidade e vendê-los no varejo. Se cumprirmos nossa parte, teremos bons resultados.

E aqui está a boa notícia: temos uma enorme vantagem natural para competir nesse novo mundo, simplesmente se nos organizarmos.

Num mundo em que os maiores ganhos são daqueles que conceberam e projetaram um produto, não existe uma sociedade com maior capacidade de imaginação do que os EUA. Num mundo em que o talento é a mais importante vantagem competitiva, não há nenhum país que, historicamente, acolheu mais imigrantes de talento do que os EUA.

Num mundo em que a proteção da propriedade intelectual e mercados de capital seguros são enormemente valorizados por inovadores e investidores, não existe país mais seguro do que os EUA. Num mundo em que os ganhos obtidos com a inovação são surpreendentes, os financiamentos do governo americano nas áreas da biociência, das novas tecnologias e energia limpa constituem um imenso ganho. Num mundo em que a logística será a fonte de inúmeros empregos para a classe média, os EUA têm empresas como a FedEx e a UPS.

Se apenas conseguirmos nos unir numa estratégia nacional para fortalecer e expandir todas essas vantagens naturais: mais imigração, mais educação de nível superior, melhor infraestrutura, mais pesquisas patrocinadas pelo governo, incentivos aplicados de modo inteligente para estimular a criação de milhões de startups (pequenas empresas inovadoras recém-criadas) - e um projeto de longa duração para resolver de fato nossos problemas da dívida de longo prazo - ninguém conseguirá nos atingir. Estamos chegando perto.
/ TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK

 THOMAS L., FRIEDMAN,  É COLUNISTA,  THE NEW YORK TIMES

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