O Estado do Maranã0, 29 de abril
Outro dia passei algumas horas ouvindo um expositor tentando convencer uma seleta plateia de que o livro de papel irá desaparecer em alguns anos e que o livro virtual, conhecido por e-book, já deu início a esse processo de substituição. Apesar da apresentação de uma lista interminável de vantagens, meus colegas de plateia não se animaram muito. Embora o expositor possuísse domínio do assunto, fosse de boa aparência e o material projetado na tela de alta qualidade visual, algo estava faltando naquela explanação para vender aquele esdrúxulo produto.
Outro dia passei algumas horas ouvindo um expositor tentando convencer uma seleta plateia de que o livro de papel irá desaparecer em alguns anos e que o livro virtual, conhecido por e-book, já deu início a esse processo de substituição. Apesar da apresentação de uma lista interminável de vantagens, meus colegas de plateia não se animaram muito. Embora o expositor possuísse domínio do assunto, fosse de boa aparência e o material projetado na tela de alta qualidade visual, algo estava faltando naquela explanação para vender aquele esdrúxulo produto.
Finda a apresentação, relevantes questões foram levantadas ao expositor, no entanto nenhuma possuía qualquer relação com os meus questionamentos particulares. Eu também não fiquei convencido da ideia de que produzir livros virtuais seja um grande negócio e sustentável. Rabisquei no meu bloco de anotações algumas questões específicas, não tratadas pelos meus colegas, para refletir mais tarde.
A primeira questão está relacionada ao conceito do que é um livro. Existem conceitos emitidos até pela UNESCO, mas tais conceitos expressam a morfologia de um objeto e não de um livro. Um livro não é composto somente de papel e tinta, que constitui o seu corpo, mas também do seu conteúdo, que representa a sua substância, mensagem, seu espírito. Um livro sem mensagem é apenas um amontoado de papel e tinta. Um livro sem papel e tinta não tem nenhuma mensagem, nem corpo, é um fantasma. Um livro atinge o seu objetivo, quando o seu corpo passa a fazer parte da nossa herança e a sua mensagem parte do nosso espírito. Acho impossível alguém se afeiçoar por um livro de plástico com uma mensagem virtual dentro, onde à priori não se pode sentir nos dedos a textura, odor e cor das suas folhas. Este namoro, tão importante para quem quer comprar um livro, fica ausente. Um livro virtual é como um corpo sem vida; frio, um cadáver.
Outra questão que passa dissimulada pelo expositor é a necessidade de outro equipamento eletrônico com uma plataforma para rodar o e-book. Portanto, quem quiser "ler" o seu e-book, se já não tiver, terá de comprar um equipamento para lhe possibilitar abrir as páginas do seu "livro". Custa dinheiro e treinamento para manusear o tal livro virtual. Enquanto o livro de papel o máximo que você pode precisar é colocar óculos de grau e abrir as páginas para sorver de dentro delas o que de mais admirável e mágico pode-se encontrar.
Uma questão de maior importância industrial é que os livros de papel fazem parte de uma cadeia de produção estabelecida desde a Idade Média por Gutenberg, que além de empregar matéria-prima de fontes renováveis e autossustentadas, empregam milhões de pessoas no mundo todo; não sendo o caso dos materiais utilizados nos e-books, pois são de plástico. Acabar com as indústrias de papel implicaria em deixar sem emprego milhões de pessoas, fato impensável na situação em que se encontra o mundo atualmente.
Além do mais, a exposição excessiva do homem às interfaces eletrônicas, como, por exemplo, à tela de um notebook ou tablet, pode levar a desconfortos físicos ainda não estudados satisfatoriamente para comprovar se há ou não efeitos colaterais negativos. Não sabemos ainda o que pode acontecer a alguém que passe o dia em frente a um computador, por conveniência profissional, e venha a fazer a sua leitura preferida em um e-book, expondo-se novamente aos efeitos de um monitor. O livro de papel até hoje só provou que é um grande relaxante muscular, pois pode levar o sujeito da leitura ao sono profundo e revigorante.
Sem perceber, o nosso expositor, está vendendo computadores e outras interfaces eletrônicas, necessárias para rodar um e-book, sem ganhar nenhuma comissão das grandes indústrias produtoras desses equipamentos. O e-book, neste caso, é somente um artefato do intrincado e concorrido mercado de componentes eletrônicos. Não tenhamos ilusões, os livros de papel continuarão existindo, mesmo com os livros virtuais entrando no mercado. O avanço da tecnologia pode até produzir artefatos seguros para serem empregados na leitura de e-books, mas sua duração será efêmera diante da sobreposição de novas tecnologias que buscam sempre a inovação e substituição de modelos antigos na sua natural tecnofagia.
Como aconteceu com a biblioteca de Alexandria, temo na possibilidade de todo e qualquer conhecimento depositado sob a forma de e-book ser destruído por catástrofes ou guerras, deixando a humanidade sem um exemplar sequer de uma obra-prima para contar o que foi um livro, de fato.
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