Três ações que contestam reserva de vagas devem ser analisadas pelos ministros
Relator de um dos casos, Ayres Brito sustenta que sistema é uma forma eficaz de combater as desigualdades do país
FELIPE SELIGMAN
DE BRASÍLIA
O Supremo Tribunal Federal deve retomar hoje a discussão sobre a constitucionalidade de reserva de vagas em universidades brasileiras, as chamadas cotas. Três ações diferentes, com o mesmo tema de fundo, estão na pauta.
A primeira delas questiona dispositivo do ProUni (Programa Universidade para Todos) que reserva bolsas de estudo em universidades privadas a pessoas com deficiência e aos autodeclarados indígenas, pardos ou negros.
A ação foi apresentada por confederações ligadas a estabelecimentos de ensino e pelo DEM. Ela começou a ser apreciada em abril de 2008, mas o julgamento foi interrompido por pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa.
Na ocasião, o relator do caso, ministro Carlos Ayres Britto, votou pela constitucionalidade do programa, entendendo se tratar de uma forma "eficaz" de combater situações de desigualdade e promover o "reequilíbrio social".
"A verdadeira igualdade consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais", disse à época.
PÚBLICAS
As outras duas ações, relatadas pelo ministro Ricardo Lewandowski, questionam o sistema de cotas da UnB (Universidade de Brasília) e da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Na ação contra a UnB, também proposta pelo DEM, questiona-se a reserva de 20% das vagas para alunos autodeclarados negros ou pardos.
A UnB foi a primeira universidade federal a instituir as cotas, em junho de 2004. A cada semestre, a instituição também separa dez vagas para índios, que fazem um processo de seleção à parte.
MERITOCRACIA
O DEM diz que a prática viola o princípio da meritocracia, no qual o acesso ao ensino deve ser provido de acordo com a capacidade de cada um. Para o partido, o sistema também ofende o direito universal à educação ao não tratar todos da mesma forma.
No caso da UFRGS, a ação foi proposta por um aluno, mas a decisão valerá de forma ampla, pois os ministros reconheceram a chamada repercussão geral -que permite analisar um caso específico para discutir a tese de fundo.
REPROVADO
O estudante Giovane Pasqualito Fialho foi reprovado no vestibular para o curso de administração, mesmo com nota superior a dos alunos aprovados pelas cotas, e entrou na Justiça. Ele argumentou que o sistema da universidade era, na realidade, um "pacto da mediocridade", além de prática de racismo.
No caso da universidade gaúcha, o sistema separa 15% das vagas para egressos de escolas públicas e outros 15% para negros, também vindos do sistema público de ensino.
Ministros avaliam que não será possível analisar as três ações hoje e não descartam a possibilidade de algum integrante pedir vista, por se tratar de tema polêmico.
José Vicente, 52, reitor da faculdade Zumbi dos Palmares e presidente da Sociedade Afrobrasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural, defende as cotas.
Folha - Em sua opinião, como o STF vai votar?
José Vicente - Pela minha sondagem, vai dar 8 a 3, maioria favorável às cotas.
Por que o sr. é favorável?
Porque essa é a última das amarras que estava impedindo o país de cumprir o seu compromisso social. Nós avançamos com o tratamento dos idosos, dos deficientes, dos homossexuais etc. As cotas, nessa perspectiva, são reconhecimento de que existe uma distorção, uma fratura social, e nós precisamos agir em todas as frentes: nas políticas universalistas, mas também nas políticas focais.
Cotas são constitucionais?
Mais que isso, são necessárias e indispensáveis para que o Brasil possa ser um país que prime por sua democracia racial.
Dentre os mecanismos de inclusão já adotados no país, qual o melhor?
Não temos o melhor, temos casos. Pode ser, por exemplo, a pontuação acrescida, como na Unicamp -se for da escola pública e negro tem 20% da pontuação acrescida na nota final. É uma medida criativa. Talvez possa se pensar em formas interessantes que congreguem mérito e trajetória histórica etc. Não podemos exigir uma política pronta, acabada e definitiva, pois é a primeira vez que o país se debruça sobre isso.
A cota social, sozinha, resolveria o problema?
Em algum momento a cota social poderá ser suficiente. Mas para a gente romper lacres e abrir portas foram necessárias e indispensáveis as cotas raciais, porque tínhamos de começar. Podemos agora nos debruçar para construir novas medidas.
Eunice Ribeiro Durham, professora aposentada de antropologia da USP e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da universidade, é contrária a qualquer tipo de cotas.
Folha - A sra. é favorável às cotas nas universidades?
Eunice Durham - Sou inteiramente contrária às cotas de qualquer tipo, especialmente as raciais. Elas constituem uma medida extremamente prejudicial porque institucionalizam a raça. Isso é inconstitucional. É preciso realmente que a gente estabeleça políticas compensatórias.
Quais?
Esse processo todo vem da escola primária. Não há nenhum programa na formação de professores para combater o preconceito em sala de aula ou para alunos negros do colegial. Querem resolver o problema depois que ele está absolutamente instalado. E o nível de renda da população é um fator mais forte do que a etnia.
Mas a sra. também é contra as cotas sociais...
Sou a favor que se conserte o problema em vez de começar a fazer caridade. As universidades, especialmente as públicas, deviam fazer para os jovens pobres, cuja maioria é mulata, cursos pré-universitários. Os alunos de boa renda desde criança têm acompanhamento fora da escola. Quem não tem dinheiro não pode fazer isso. Então a universidade tem que abrir um curso pré-vestibular no qual se compensem deficiências de formação de modo que tenham melhores condições de competir no vestibular.
Não se pode compensar um péssimo ensino público colocando cota em vez de fazer um esforço para que o problema seja compensado, como os alunos de melhor renda fazem. Isso seria importante para a universidade e envolveria melhor distribuição étnica.
A FAVOR DAS COTAS
'País deve cumprir seu compromisso social', diz educador
DE SÃO PAULOJosé Vicente, 52, reitor da faculdade Zumbi dos Palmares e presidente da Sociedade Afrobrasileira de Desenvolvimento Sócio Cultural, defende as cotas.
José Vicente - Pela minha sondagem, vai dar 8 a 3, maioria favorável às cotas.
Por que o sr. é favorável?
Porque essa é a última das amarras que estava impedindo o país de cumprir o seu compromisso social. Nós avançamos com o tratamento dos idosos, dos deficientes, dos homossexuais etc. As cotas, nessa perspectiva, são reconhecimento de que existe uma distorção, uma fratura social, e nós precisamos agir em todas as frentes: nas políticas universalistas, mas também nas políticas focais.
Cotas são constitucionais?
Mais que isso, são necessárias e indispensáveis para que o Brasil possa ser um país que prime por sua democracia racial.
Dentre os mecanismos de inclusão já adotados no país, qual o melhor?
Não temos o melhor, temos casos. Pode ser, por exemplo, a pontuação acrescida, como na Unicamp -se for da escola pública e negro tem 20% da pontuação acrescida na nota final. É uma medida criativa. Talvez possa se pensar em formas interessantes que congreguem mérito e trajetória histórica etc. Não podemos exigir uma política pronta, acabada e definitiva, pois é a primeira vez que o país se debruça sobre isso.
A cota social, sozinha, resolveria o problema?
Em algum momento a cota social poderá ser suficiente. Mas para a gente romper lacres e abrir portas foram necessárias e indispensáveis as cotas raciais, porque tínhamos de começar. Podemos agora nos debruçar para construir novas medidas.
'Compensação tem de ser feita antes', afirma professora
DE SÃO PAULOEunice Ribeiro Durham, professora aposentada de antropologia da USP e pesquisadora do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da universidade, é contrária a qualquer tipo de cotas.
Eunice Durham - Sou inteiramente contrária às cotas de qualquer tipo, especialmente as raciais. Elas constituem uma medida extremamente prejudicial porque institucionalizam a raça. Isso é inconstitucional. É preciso realmente que a gente estabeleça políticas compensatórias.
Quais?
Esse processo todo vem da escola primária. Não há nenhum programa na formação de professores para combater o preconceito em sala de aula ou para alunos negros do colegial. Querem resolver o problema depois que ele está absolutamente instalado. E o nível de renda da população é um fator mais forte do que a etnia.
Mas a sra. também é contra as cotas sociais...
Sou a favor que se conserte o problema em vez de começar a fazer caridade. As universidades, especialmente as públicas, deviam fazer para os jovens pobres, cuja maioria é mulata, cursos pré-universitários. Os alunos de boa renda desde criança têm acompanhamento fora da escola. Quem não tem dinheiro não pode fazer isso. Então a universidade tem que abrir um curso pré-vestibular no qual se compensem deficiências de formação de modo que tenham melhores condições de competir no vestibular.
Não se pode compensar um péssimo ensino público colocando cota em vez de fazer um esforço para que o problema seja compensado, como os alunos de melhor renda fazem. Isso seria importante para a universidade e envolveria melhor distribuição étnica.
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