2 de junho de 2012
Pacote e porta - CRISTOVAM BUARQUE
Os “pacotes” de curto prazo voltaram à rotina no lugar de políticas econômicas.
A razão disto está no entrelaçamento dos problemas de difícil desatamento que foram se acumulando e da resistência dos agentes econômicos a reorientarem os propósitos da economia brasileira, encontrando uma porta para novos tempos, ao invés de pacotes para manter o velho ritmo.
Estamos sequestrados pelo Real valorizado. Mantê-lo apreciado motiva desindustrialização, sua desvalorização eleva o custo dos insumos na produção nacional e dos preços dos bens importados.
Em uma economia aberta isso significa inflação. E escassez numa economia exportadora de bens primários e importadora de bens de alta tecnologia.
Estamos amarrados ao desempenho da indústria automobilística. A economia sofrerá se reduzirmos a produção e a venda de carros, mas para dinamizar a indústria de automóvel é necessário facilitar crédito e desonerar impostos, aumentando o impacto ecológico e o caos nas cidades.
E facilitar crédito leva à inadimplência, desonerar impostos gera problema de déficit e reduz investimento público, inclusive para as obras em infraestrutura urbana necessária para evitar o colapso, já em marcha, das cidades e estradas.
Os juros altos nos aprisionam há décadas, mas sua redução pode reduzir o fluxo internacional de divisas para o Brasil e insuflar crédito e consumo, com ameaça à estabilidade monetária, além do aumento ainda maior da inadimplência.
A exportação de “commodities” permite gerar superávits na balança comercial, mas implica em vulnerabilidade à demanda e à vontade de outros países, especialmente a China, devido à baixa elasticidade da demanda por esses produtos, e ao risco decorrente de novos produtores, especialmente na África.
O baixo investimento crônico em C&T nos faz escravos da baixa competitividade, por não produzirmos bens com características inovadoras, de alta tecnologia.
Nossos produtos levam a marca “feito no Brasil”, mas não “criado no Brasil”. Para sair dessa escravidão precisamos reformar drasticamente o frágil setor produtor de conhecimento, fruto de décadas de uma universidade divorciada do setor produtivo e do baixo investimento privado em inovação.
Somos viciados nos gastos públicos, sobretudo para custeio, com todas as suas consequências, mas reduzi-los têm implicações fortemente negativas sobre os serviços públicos e sobre a demanda agregada.
Somos prisioneiros da baixa capacidade de poupança por parte da população, porque o imediatismo da cultura de consumo, que caracteriza a economia brasileira, impede elevar a poupança agregada para o nível necessário; mas se dermos incentivos para aumentar a poupança vamos ter restrição de consumo e, em consequência, de crescimento.
Temos amarras legais e comportamentais que tornam difícil uma reorientação da economia: o corporativismo, que impede aos agentes políticos a visão do interesse nacional; a insegurança jurídica, que não permite estabilidade na antecipação das decisões tomadas pelos agentes econômicos; e também amarras constitucionais que podem transformar crises econômicas em institucionais, porque medidas simples exigem Propostas de Emenda à Constituição.
Uma forte amarra está na euforia que os últimos governos têm passado e que funciona como um falso vento que consegue soprar as velas do barco, até que se descubra que o vento é ilusório.
Enquanto prevalece o imaginário de que tudo está bem fica difícil perceber que a economia não vai bem e promover uma mudança de rumo. E com isso vamos adiando a busca de soluções, continuando com os pequenos ajustes dos pacotes.
A principal causa da opção por pacotes, ao invés de porta, está na miopia de olhar apenas para o curto prazo, no lugar de políticas de longo prazo, e na falta de vontade nacional para reorientar os rumos da economia.
Os pacotes são formulados de acordo com o cronograma eleitoral e não segundo as tendências das variáveis do processo econômico no país e no mundo.
Até outubro de 2012, busca-se passar a impressão de que há uma boa taxa de crescimento do PIB. Logo depois será tempo de pensar em 2014.
Ao invés de desatar o entrelaçamento de problemas, vamos adiando a construção de uma política de médio e longo prazo, que não apenas use “pacotes”, mas enfrente os entraves estruturais, abra a porta para um novo modelo de desenvolvimento, buscando a elevação do bem-estar, não necessariamente da taxa de crescimento, em equilíbrio com o meio ambiente e passar a produzir bens com alto conteúdo de conhecimento.
O Globo
02/06/2012
Postado por
jorge werthein
às
12:23
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