26 de agosto de 2012

DE GAULLE E JOHNSON EM DOIS GRANDES LIVROS , Elio Gaspari


Fola de S.Paulo, 26/8/2012

Estão na rede duas excepcionais biografias, capazes de iluminar um bom feriadão. Ambas saíram nos Estados Unidos, uma, publicada há meses, é "The Passage of Power" ("A Passagem do Poder"), o quarto volume da monumental biografia do presidente americano Lyndon Johnson (1963-1969), de Robert Caro.

A outra, que acaba de sair, é "The General" ("O General: Charles de Gaulle e a França que Ele Salvou"), do jornalista inglês Jonathan Fenby. O livro de Caro sai por US$ 14,99, e o de Fenby, por US$ 16,99.

Caro passou os últimos 38 anos pesquisando a vida de Johnson, está com 76 e ainda falta um volume. Mais que o retrato de uma alma torturada, é um tratado sobre o poder nos Estados Unidos.
Com mais de 700 páginas, "The Passage of Power" cobre, com idas e voltas, os primeiros quatro meses do governo de Johnson, dos tiros de Dallas aos dias em que ele se tornou senhor de Washington, impondo-se numa Casa Branca hostil, aprovando leis sociais que seus antecessores haviam tentado votar, sem sucesso.
O capítulo sobre o dia 22 de novembro de 1963 é uma obra-prima, descrevendo a transformação de um vice-presidente humilhado pelos Kennedy num mestre da premeditação e da objetividade.
Quem se lembra da fotografia tomada dentro do Air Force One, quando ele jurou a Constituição, aprenderá que nada aconteceu ali por acaso, muito menos a presença de Jacqueline Kennedy ao lado de Johnson. (Na sua edição de novembro, a revista "piauí" publicará esse capítulo.)
A costura que permitiu a Johnson aprovar suas leis sociais é uma obra de gênio. Por causa da Guerra do Vietnã, ele passou para a história como um presidente fracassado, mas fez o que poucos fizeram. Quando seus colaboradores duvidaram da viabilidade de sua ofensiva, perguntou: "E para que diabo serve a Presidência?"
Johnson viveu atormentado pela visão do fracasso do pai e da pobreza da família. Chegou a presidente dos Estados Unidos e a cada dia duvidava de si.
"The General" conta a vida de seu oposto. Aos 22 anos, o tenente Charles de Gaulle comportava-se como o general que salvaria a França.
Robert Caro dormiu ao relento para sentir o que era a vida no interior do Texas, Fenby trabalhou com a documentação conhecida.
Seu mérito foi desbastar parte da bajulação. "The General" é o retrato de um patriota ególatra numa época em que seu país precisava disso. (Só um ególatra trapaceia jogando paciência.)
Em 1940, o coronel De Gaulle foi para a Inglaterra para comandar a rebelião do nada contra a Terceiro Reich levando na mala apenas duas calças e quatro camisas.
Voltou quatro anos depois, convencendo os franceses e uma parte do mundo de que ganhara a guerra. Com 1,93 m, seu filho nunca o viu sair do quarto sem paletó e gravata. De Gaulle foi o maior dos megalomaníacos de seu tempo.
Seus únicos momentos de ternura davam-se quando brincava com a filha Anne, uma menina que sofria da síndrome de Down e morreu em 1947, aos 20 anos. "Tia Yvonne", sua mulher, quis banir as minissaias. Era um exemplo de discrição e austeridade. O cozido do almoço virava sopa no jantar e almôndega no dia seguinte.
Com a grandeza da França na cabeça, De Gaulle governou-a de 1944 a 1946, retornou em 1958 na crista de um golpe político-militar. Subiu com a ajuda dos radicais do Exército e fritou-os. Redesenhou o Estado e a política do seu país.
Em 1968, o general confundiu os estudantes rebelados com "palhaços". Como acontecera a Luis 15, ficara fora de moda.
Aos 78 anos, renunciou, deixando para trás uma nova França. Em novembro de 1970, visitando o túmulo de Anne, marcou o pedaço onde queria ser enterrado, sem inscrição além do seu nome. Uma semana depois, jogando paciência, sua aorta estourou e ele foi-se.
Em tempo: não está no livro de Fenby, mas De Gaulle nunca disse que o Brasil não é um país sério. Quem repete essa falsa citação acha isso, mas se esconde atrás do general.

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