26 de agosto de 2012

MARCELO GLEISER O debate está esquentando


Folha de S.Paulo, 26/08/2012

Antigo cético do clima 'vira a casaca' e aquece discussões sobre as mudanças climáticas

NAS ÚLTIMAS semanas, o debate sobre o aquecimento global deu uma ultra-aquecida, ao menos nos Estados Unidos.
Richard Muller, um cientista da Universidade da Califórnia em Berkeley, conhecido por seu antagonismo ao aquecimento global, não só virou a casaca como deduziu, a partir de uma reanálise de dados de sua pesquisa e da de outros grupos, que os culpados somos nós.
Muller argumenta que dados coletados de estações que monitoram mudanças de temperatura pelo planeta o forçaram a concluir que "a temperatura média do planeta subiu 1,39º C nos últimos 250 anos e que 0,84º C de aumento aconteceu nos últimos 50 anos. Ademais, é muito provável que todo esse aumento tenha resultado da emissão por humanos de gases-estufa".
Em editorial para o jornal "New York Times", Muller explicou por quê. Para isso, o cientista tem que isolar todas as causas que podem afetar o aumento de temperatura e analisar o impacto de cada uma separadamente.
Os resultados estão em cinco artigos, publicados, em inglês, em http://berkeleyearth.org.
Muller acredita que seus achados são ainda mais dramáticos do que os do Painel Internacional de Mudança Climática (IPCC), pois este estudou o impacto humano dos últimos 50 anos, enquanto que Muller e seu grupo estudaram a questão nos últimos 250 anos.
Quando um membro de uma tribo se junta ao inimigo, seus ex-companheiros atiram imediatamente flechas em sua direção.
Um dia após o editorial de Muller, cientistas liderados pelo controverso Anthony Watts contra-atacaram, argumentando que os dados das estações climáticas norte-americanas tiveram seus valores duplicados. Logo, a internet explodiu em uma guerra retórica completamente vazia de conteúdo científico.
Uma das críticas mais populares aos resultados de Muller é que ele se baseia na comparação entre o aumento da emissão de CO2 e da temperatura global e que isso não é suficiente.
Com razão, Muller e seus colegas discordam disso, assim como a maioria dos cientistas que estudam o clima seriamente. Quando se trata de um problema complexo como prever o clima global nas próximas décadas, muitos fatores entram em jogo. No máximo, pode-se fazer inferências estatísticas, o que vai contra a expectativa inocente das pessoas de achar que a ciência tem que ter respostas exatas.
Com o tempo, os modelos melhoram e as previsões vão se tornando cada vez mais firmes, exatamente o que vem ocorrendo com a questão climática.
Enquanto a retórica continua quente, vale lembrar que a Terra é um sistema finito. E qualquer sistema, quando sujeito a uma força que insiste em tirá-lo do equilíbrio, sofrerá mudanças que podem ser dramáticas. Por exemplo, a água na sua panela, sujeita ao fogo, acaba por ferver. Mesmo que seja (remotamente) possível que o aquecimento global não esteja sendo causado pelo homem, por que não usar o que já aprendemos até aqui para mudar nossa relação com o planeta -de parasítica a uma que seja mutuamente vantajosa?
A Terra pode existir sem a gente. Mas nós, sem ela, estamos perdidos.
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita".
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