14 de agosto de 2012

ROSELY SAYÃO Desafios olímpicos


Folha de S.Paulo,14/8/2012



A competição que a criança sente na vida cotidiana é difusa, subjetiva e sem regras preestabelecidas



FIQUEI BEM impressionada ao perceber como a Olimpíada pegou com a criançada, principalmente com aqueles na faixa entre seis e 12 anos, mais ou menos.
E não pense, caro leitor, que isso aconteceu apenas porque os pais dessas crianças demonstraram grande interesse pelo evento.
Não! Muitas crianças quiseram acompanhar as notícias nos telejornais e algumas disputas de várias modalidades esportivas -às vezes até mesmo à revelia de seus pais.
Uma mãe reclamou que nesse período perdeu o controle da televisão porque seu filho, de 10 anos, queria assistir a determinados jogos e competições e, dessa maneira, acabou monopolizando a escolha de canais.
Por que será que mesmo em nosso país, que tradicionalmente não cultiva tanto a dedicação aos esportes olímpicos, a criançada foi fisgada dessa maneira? Podemos refletir a esse respeito e levantar algumas hipóteses.
A mais importante delas, no meu entender, é que a competição esportiva é muito objetiva. Trata-se de tentar superar os adversários em uma situação administrada por regras muito claras, conhecidas e respeitadas por todos.
A configuração dessa situação, somada ao fato de que há pessoas arbitrando as competições para garantir o cumprimento das regras e a aferição correta dos resultados, oferece muita segurança para a criança.
Vamos lembrar que essas crianças nasceram e estão crescendo em um mundo extremamente competitivo. Desde muito cedo elas são continuamente pressionadas a responder aos desafios competitivos.
Quer um exemplo inusitado de como os mais novos são jogados na vida competitiva sem muita clareza da situação, caro leitor?
Há crianças pequenas que mencionam o teste de Apgar e sua pontuação como se isso configurasse o resultado de uma competição. Esse teste é uma avaliação das condições de vida no primeiro e no quinto minuto após o nascimento e é feito por meio de cinco sinais: cada um deles recebe no máximo dois pontos, o que significa que a nota máxima possível de ser alcançada é dez.
Como o resultado da avaliação desse teste é semelhante ao processo de avaliação escolar, isso provavelmente contribui para que as crianças entendam a nota do teste como uma maneira de se comparar e se colocar em posição melhor ou pior do que seus pares, não é verdade?
Só fico curiosa mesmo em relação ao tipo de situação em que os pais dessas crianças passaram aos seus filhos tal informação tão técnica.
Como eu dizia, competir diariamente com colegas na escola por boas notas, pela posse deste ou daquele objeto etc. é cansativo para os alunos principalmente porque tais situações competitivas não são claras, não são arbitradas, tampouco regradas -o que deixa a criança sem referência de segurança.
A competição acirrada que a criança percebe existir, que sente e pressente em toda a sua vida cotidiana é, portanto, difusa, subjetiva, sem regras preestabelecidas e sem resultados objetivamente definidos.
A Olimpíada mostra para as crianças que a competição tem seu lado positivo.
Há outro ponto: as crianças sabem muito bem que para participar desse evento e tentar ganhar é preciso muita dedicação e muito esforço, além de ser necessário contar com um pouco de sorte, estar em um bom dia, por exemplo. E elas admiram a possibilidade de alguém conseguir se dedicar tanto para conquistar alguma coisa.
Pensando bem, as crianças não têm tido boas situações de competição, tampouco desafios que as levem a querer dedicar esforço para superá-los. Poderíamos tentar melhorar isso para elas, não poderíamos?
ROSELY SAYÃO é psicóloga e autora de "Como Educar Meu Filho" (Publifolha)

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