3 de junho de 2011

A armadilha do Twitter


O Globo, 3 de Junio
Bill Keller


Semana passada minha mulher e eu autorizamos nossa filha de 13 anos a entrar no Facebook. Em algumas horas ela acumulou 171 amigos e eu me senti um pouco como se tivesse dado à minha filha um cachimbo com ópio.
Não pretendo ser um estraga-prazeres. Edito um jornal que abraçou a nova mídia com entusiasmo e criatividade. Entendo que a internet alcança e mobiliza uma audiência global, que ela convida à participação e facilita - até certo ponto - a apuração de notícias. Mas, antes de nos rendermos à idolatria digital, devemos ponderar que a inovação sempre tem um preço. Às vezes imagino se ele não é um pedaço de nós mesmos.
O cativante best-seller "Moonwalking with Einstein", de Joshua Foer, cita um colossal exemplo do que nós trocamos pelo progresso. Até o século XV, as pessoas eram ensinadas a guardar uma vasta quantidade de informações. Façanhas da memória - como recitar de cor livros inteiros - não eram raras. Então surgiu o Mark Zuckerberg de sua época, Johannes Gutenberg. À medida que nos acostumamos a depender da página impressa, o hábito de guardar de cor caiu gradualmente em desuso. A capacidade prodigiosa de se lembrar ainda existe, mas, para a maioria, está na garagem.
Meu pai, que estudou engenharia no MIT na época da régua de cálculo, lamentava que a calculadora de bolso, com todas as suas conveniências, reduziu a capacidade matemática de minha geração. Muitos de nós descobrimos que a navegação por GPS comprometeu nosso conhecimento sobre as ruas da cidade e talvez tenha até prejudicado nosso senso inato de direção.
Bater à máquina matou o ato de escrever à mão. Twitter e YouTube estão tirando nacos de nossa atenção. E o pouco de nossa memória que não entregamos a Gutenberg abdicamos em favor do Google. Por que lembrar se achamos em segundos?
Robert Bjork, que estuda memória e aprendizado na UCLA, notou que mesmo estudantes muito inteligentes, familiarizados com o Excel, não são capazes de perceber nos dados padrões que seriam evidentes se não tivessem deixado o programa fazer a maior parte do trabalho.
Foer leu que a Apple contratara um grande especialista em mostradores monitorizados - os painéis transparentes usados por pilotos. Ele se pergunta se isto significa que a Apple esteja desenvolvendo um iPhone que dispensaria usar os dedos no teclado. O comando viria diretamente do córtex cerebral (a Apple não quis comentar).
Estamos terceirizando nosso cérebro para a nuvem. O lado positivo é que isto libera massa cinzenta para coisas importantes. Mas meu pessimismo imagina se as novas tecnologias não estariam erodindo características essencialmente humanas: a capacidade de refletir, a busca por significado, a empatia genuína, um senso de comunidade conectado por algo mais profundo.
A mais óbvia desvantagem das mídias sociais é que elas são agressivamente distrativas. O Twitter não é uma mera presença no ambiente. Ele exige atenção e resposta - é o inimigo da contemplação e do aprofundamento. Cada vez que o notificador apresenta na minha tela um novo tweet, eu experimento um pequeno surto de dopamina que me distrai imediatamente daquilo que eu estava fazendo, mas... mas... o que era mesmo que eu estava fazendo? Minha desconfiança em relação à mídia social é intensificada pela natureza efêmera dessas comunicações.
Não estou nem mesmo seguro de que esses novos instrumentos sejam genuinamente "sociais". Há algo decididamente falso sobre a camaradagem no Facebook, algo ilusório sobre conectividade do Twitter. Espreite uma conversa na multidão digital e, muito frequentemente, ela é reduzida e redundante.
Como uma espécie de experiência masoquista, outro dia tuitei "#Twittertorna você burro. Discuta." Isso produziu poucos flashes de inteligência ("Dê algum crédito a nossas escolas públicas!"); um par de respostas óbvias ("Depende de quem você segue"); algumas especulações compreensíveis de que minha conta tinha sido hackeada; e um monte de gírias. Quase todo mundo que não tinha algo profundo a dizer em resposta à minha pequena provocação preferiu fazê-lo fora do Twitter.
Numa discussão real, a informação é cumulativa, a complicação é reconhecida, às vezes a persuasão ocorre. Numa discussão no Twitter, opiniões e nossa tolerância às opiniões alheias são atrofiadas. Não sei se o Twitter torna você burro, mas ele faz algumas pessoas inteligentes parecerem burras.
Percebo que estou atraindo fogo de tuiteiros apaixonados, de acadêmicos que adoram idolatrar novidades e de colegas do "New York Times" que estão criando uma estratégia para a mídia social com o objetivo de ampliar o alcance de nosso jornalismo. Então deixe-me esclarecer: o Twitter é um recurso brilhante - um megafone para promoção, uma rede para a informação, uma valiosa ferramenta para organizar tudo, de encontros de donos de cães a revoluções. Embora eu não seja muito tuiteiro e preste pouca atenção à minha conta no Facebook, gosto de ver algo que escrevi cair na Twittersphere, mesmo quando sei - como agora - que o veredito da massa será hostil.
As desvantagens da mídia social não me incomodariam terrivelmente se eu não suspeitasse que a amizade de Facebook e a conversa no Twitter estão tomando o lugar da relação e da conversação reais. As coisas que podemos estar deixando de aprender - complexidade, acuidade, paciência, sabedoria, intimidade - fazem diferença.
BILL KELLER é jornalista. ©The New York Times

Um comentário:

  1. Existe a probabilidade de este texto não ser lido até o final porque a mentalidade da maioria está limitada a leitura de 140 caracteres. Uma pena!

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