Editoriais
Folha de São Paulo
Além de "pretos" e "pardos", categoria mais popular entre os brasileiros não brancos deveria encontrar abrigo na classificação oficial do IBGE
Não é a pior notícia do mundo o fato de que o próprio IBGE enfrenta dificuldades quando a questão é a raça de seus entrevistados.
Branco, preto ou pardo? A classificação tradicional da mais importante instituição demográfica do país está em vigor desde 1872. De lá para cá, alguma coisa mudou, mas as categorias de então ainda dão forma às séries históricas de dados sobre como os brasileiros definem a cor de sua pele.
Com efeito, em recente pesquisa do IBGE em seis unidades da Federação (AM, PB, SP, RS, MT e DF), o termo "pardo" deu mostras de cair em desuso na preferência espontânea, sendo substituído pelo mais simpático "moreno".
Verificou-se que 21,7% dos entrevistados no estudo se disseram "morenos" ou "morenos-claros". Só 14%, em contraste, definiram-se como "pardos".
A proporção dos que se consideram "pretos" é ainda menor. Já "negros" se dizem 8% dos entrevistados, quando se oferece tal opção, ao passo que se reconhecem "pretos" -por séculos um sinônimo de "escravo"- só 1,4% dos consultados no estudo.
Nos recenseamentos oficiais, os entrevistadores do IBGE oferecem apenas cinco opções: branco, preto, pardo, amarelo e indígena.
Apesar dos ecos escravagistas, não se está -felizmente- na situação em vigor nos EUA, onde o termo "nigger" adquiriu a violência do mais pesado insulto.
Ao contrário, parece discreta, entre nós, a passagem do "preto" ao "negro". Discreta? Talvez exatamente o contrário. "Negro" é um termo pelo qual se exprime alguma autoconsciência racial, enquanto "preto" carrega a marca da designação em terceira pessoa.
Na linguagem cotidiana, assim, ainda é usual dizer: "Fulano é preto" -estando o "crioulo" em mais do que oportuna extinção. Por outro lado, "Eu sou negro" é uma forma de realçar não apenas a cor do entrevistado, mas seus direitos e seu orgulho racial.
"Orgulho racial", em todo caso, é uma expressão a ser abominada em qualquer situação, mesmo as que a justifiquem historicamente.
É bem-vinda, enfim, a notícia de que tantos brasileiros se considerem "morenos". O vocábulo, de fato, carrega-se de uma neutralidade afirmativa. Não desperta uma identificação belicosa e, ao mesmo tempo, afirma uma identidade mista, misturada, brasileira,
Somos todos morenos. A categoria, assim como "negros", deveria entrar para a classificação oficial do IBGE, ao lado de "pretos" e "pardos". Isso permitiria captar o deslocamento benfazejo da autoimagem dos brasileiros no sentido de uma realidade em que a cor da pele não importe a ninguém.
Folha de São Paulo
Além de "pretos" e "pardos", categoria mais popular entre os brasileiros não brancos deveria encontrar abrigo na classificação oficial do IBGE
Não é a pior notícia do mundo o fato de que o próprio IBGE enfrenta dificuldades quando a questão é a raça de seus entrevistados.
Branco, preto ou pardo? A classificação tradicional da mais importante instituição demográfica do país está em vigor desde 1872. De lá para cá, alguma coisa mudou, mas as categorias de então ainda dão forma às séries históricas de dados sobre como os brasileiros definem a cor de sua pele.
Com efeito, em recente pesquisa do IBGE em seis unidades da Federação (AM, PB, SP, RS, MT e DF), o termo "pardo" deu mostras de cair em desuso na preferência espontânea, sendo substituído pelo mais simpático "moreno".
Verificou-se que 21,7% dos entrevistados no estudo se disseram "morenos" ou "morenos-claros". Só 14%, em contraste, definiram-se como "pardos".
A proporção dos que se consideram "pretos" é ainda menor. Já "negros" se dizem 8% dos entrevistados, quando se oferece tal opção, ao passo que se reconhecem "pretos" -por séculos um sinônimo de "escravo"- só 1,4% dos consultados no estudo.
Nos recenseamentos oficiais, os entrevistadores do IBGE oferecem apenas cinco opções: branco, preto, pardo, amarelo e indígena.
Apesar dos ecos escravagistas, não se está -felizmente- na situação em vigor nos EUA, onde o termo "nigger" adquiriu a violência do mais pesado insulto.
Ao contrário, parece discreta, entre nós, a passagem do "preto" ao "negro". Discreta? Talvez exatamente o contrário. "Negro" é um termo pelo qual se exprime alguma autoconsciência racial, enquanto "preto" carrega a marca da designação em terceira pessoa.
Na linguagem cotidiana, assim, ainda é usual dizer: "Fulano é preto" -estando o "crioulo" em mais do que oportuna extinção. Por outro lado, "Eu sou negro" é uma forma de realçar não apenas a cor do entrevistado, mas seus direitos e seu orgulho racial.
"Orgulho racial", em todo caso, é uma expressão a ser abominada em qualquer situação, mesmo as que a justifiquem historicamente.
É bem-vinda, enfim, a notícia de que tantos brasileiros se considerem "morenos". O vocábulo, de fato, carrega-se de uma neutralidade afirmativa. Não desperta uma identificação belicosa e, ao mesmo tempo, afirma uma identidade mista, misturada, brasileira,
Somos todos morenos. A categoria, assim como "negros", deveria entrar para a classificação oficial do IBGE, ao lado de "pretos" e "pardos". Isso permitiria captar o deslocamento benfazejo da autoimagem dos brasileiros no sentido de uma realidade em que a cor da pele não importe a ninguém.
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