Editoriais, Folha de São Paulo
editoriais@uol.com.br
Usuários e traficantes
Decisões judiciais contrariam propósito de lei de 2006 ao encarcerar portadores que deveriam receber advertência e outras penas alternativas
Em 2006 entrou em vigor a lei nº 11.343, que pretendia diferenciar o traficante do usuário de drogas. Para o primeiro, estipulava pena de prisão de 5 a 15 anos; para o último, só uma advertência ou outras medidas alternativas.
O caminho parecia interessante e promissor: uma política dura para os que enriquecem com a dependência alheia e uma abertura para tratar usuários como parte vulnerável de um problema de saúde pública, e não de polícia.
A expectativa era que menos detidos terminassem enquadrados como traficantes. Desde a entrada em vigor da lei, contudo, houve aumento de 118% no número de presos por tráfico de drogas.
A notícia de que há mais traficantes na prisão deveria ser comemorada. Para tanto, teria de corresponder a um enfraquecimento do crime organizado e a uma redução do consumo no país.
Não há, porém, indício de diminuição do consumo no período. Além disso, segundo a agência da ONU para drogas e crimes, o Brasil consolidou-se, de 2005 a 2009, como entreposto de drogas entre a América Latina e a Europa.
O aumento do número de prisões não se concentra em traficantes integrados a organizações criminosas. Os dados mostram que são presas em maior quantidade, por crimes que envolvem drogas, pessoas que portavam pequenos volumes da substância proibida e não cometeram outros delitos.
Como a lei não estabelece uma fronteira clara, os juízes usam critérios díspares para estabelecer quem é usuário e quem é traficante. Por excesso de zelo, ou conservadorismo, alguns magistrados tendem a classificar a maioria dos portadores como malfeitores. Contrariando o espírito da lei de 2006, muitos usuários acabam presos por tráfico de drogas.
Em 19 de junho, este jornal defendeu que caberia diminuir o arbítrio dos juízes na definição entre usuários e traficantes, por meio da fixação de uma quantidade específica. Seria um dos passos iniciais para uma política de progressiva descriminalização da maconha, que poderia ser sucedida por outras substâncias, após avaliação criteriosa da iniciativa.
Países como Portugal, Espanha, Bélgica e México, assim como 13 Estados norte-americanos, estabeleceram que apenas a posse acima de determinada quantidade é criminalizada. É chegada a hora de o Brasil se reunir a esses países e alterar a lei para estabelecer critérios quantitativos de distinção entre usuários e traficantes.
Apenas assim a política nacional sobre drogas deixará de superlotar prisões com as vítimas do tráfico e se concentrará sobre o essencial: proteger o usuário e combater o crime organizado.
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Usuários e traficantes
Decisões judiciais contrariam propósito de lei de 2006 ao encarcerar portadores que deveriam receber advertência e outras penas alternativas
Em 2006 entrou em vigor a lei nº 11.343, que pretendia diferenciar o traficante do usuário de drogas. Para o primeiro, estipulava pena de prisão de 5 a 15 anos; para o último, só uma advertência ou outras medidas alternativas.
O caminho parecia interessante e promissor: uma política dura para os que enriquecem com a dependência alheia e uma abertura para tratar usuários como parte vulnerável de um problema de saúde pública, e não de polícia.
A expectativa era que menos detidos terminassem enquadrados como traficantes. Desde a entrada em vigor da lei, contudo, houve aumento de 118% no número de presos por tráfico de drogas.
A notícia de que há mais traficantes na prisão deveria ser comemorada. Para tanto, teria de corresponder a um enfraquecimento do crime organizado e a uma redução do consumo no país.
Não há, porém, indício de diminuição do consumo no período. Além disso, segundo a agência da ONU para drogas e crimes, o Brasil consolidou-se, de 2005 a 2009, como entreposto de drogas entre a América Latina e a Europa.
O aumento do número de prisões não se concentra em traficantes integrados a organizações criminosas. Os dados mostram que são presas em maior quantidade, por crimes que envolvem drogas, pessoas que portavam pequenos volumes da substância proibida e não cometeram outros delitos.
Como a lei não estabelece uma fronteira clara, os juízes usam critérios díspares para estabelecer quem é usuário e quem é traficante. Por excesso de zelo, ou conservadorismo, alguns magistrados tendem a classificar a maioria dos portadores como malfeitores. Contrariando o espírito da lei de 2006, muitos usuários acabam presos por tráfico de drogas.
Em 19 de junho, este jornal defendeu que caberia diminuir o arbítrio dos juízes na definição entre usuários e traficantes, por meio da fixação de uma quantidade específica. Seria um dos passos iniciais para uma política de progressiva descriminalização da maconha, que poderia ser sucedida por outras substâncias, após avaliação criteriosa da iniciativa.
Países como Portugal, Espanha, Bélgica e México, assim como 13 Estados norte-americanos, estabeleceram que apenas a posse acima de determinada quantidade é criminalizada. É chegada a hora de o Brasil se reunir a esses países e alterar a lei para estabelecer critérios quantitativos de distinção entre usuários e traficantes.
Apenas assim a política nacional sobre drogas deixará de superlotar prisões com as vítimas do tráfico e se concentrará sobre o essencial: proteger o usuário e combater o crime organizado.
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