COMPORTAMENTO Pais, professores e alunos veem a barbárie avançar num território antes reservado à transmissão de conhecimento e transformar o ato de ir à aula em motivo de angústia para milhões de pessoas Cena 1: jovens em fúria encurralam garota de minivestido rosa-choque e só são contidos pela ação de seguranças e policiais. Cena 2: duas adolescentes se atracam em luta corporal, sob os gritos de incentivo da mãe de uma delas. Cena 3: rapazes saqueiam arquivos e incendeiam móveis e dependências. Cena 4: aluno dispara a esmo com dois revólveres contra colegas, deixando 12 mortos. Cena 5: menino de 10 anos alveja professora com revólver e em seguida se suicida. Esses cinco episódios ocorreram, respectivamente, nos municípios de São Bernardo do Campo, Araçariguama (ambos no Estado de São Paulo), Laguna (SC), Rio de Janeiro (RJ) e São Caetano do Sul (SP), entre 2007 e este ano. Entre eles, há algo em comum além do fato de envolverem distintos graus de selvageria: o fato de terem tido lugar no ambiente escolar. Vista no passado como templo de saber e civilização, a escola se vê cada vez mais engolfada pelo turbilhão de medo e barbárie que avança fora dela. Ir à escola, para muitos alunos, professores, servidores e pais, tornou-se fonte de angústia. Quais são os sinais que podem ajudar a identificar e prevenir esse fenômeno perverso? Ex-coordenadora do Observatório de Violência nas Escolas Brasil, a socióloga e educadora Miriam Abramovaysentiu-se atraída pelo tema ao investigar a delinquência juvenil após a morte do índio Galdino Jesus dos Santos, em 1997. Ele foi queimado vivo por cinco jovens de classe média alta de Brasília enquanto dormia numa parada de ônibus. Ao realizar entrevistas em escolas, Miriam percebeu que havia ali um ninho de violência. A escola funciona com a lei do silêncio. E a lei do silêncio é a lei do tráfico. Os estudos mostram que a escola não dá conta de olhar a violência no seu cotidiano. Está ocupada em prestar atenção no próprio desempenho no Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) provoca a socióloga, pesquisadora da Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso).Miriam prefere tratar do fenômeno no plural. Ela inclui um conjunto de violências nessa categoria: da violência dura dos crimes de sangue até racismo, homofobia, preconceitos diversos, agressões verbais e físicas, furtos, tráfico de drogas ilícitas. Não se trata, afirma a pesquisadora, de algo novo ou específico do Brasil. Na França, os primeiros relatos de violência escolar remontam ao século 19, e nos Estados Unidos o assunto preocupa autoridades e especialistas desde pelo menos os anos 1950. Estudos recentes apontam, porém, uma mudança no padrão dos delitos: em vez de vandalismo e crimes contra a propriedade, há uma preponderância de crimes contra a pessoa. Tudo isso tem um preço alto demais em termos de queda da qualidade de ensino (alunos que temem ir à aula, professores preocupados em como sairão do trabalho para casa) para que possa ser ignorado por aqueles que se preocupam com a educação. A escola precisa destampar suas violências. Não é possível varrer essa realidade para fora do tapete. É preciso discutir o assunto e criar planos de convivência escolar propõe Miriam. A professora de medicina da UFRGS Olga Garcia Falceto afirma que mesmo a dimensão interna do problema só pode ser resolvida no âmbito social: Há necessidade de toda uma discussão que envolve a estrutura das escolas, a qualidade do ambiente de trabalho do professor, sua remuneração e reconhecimento social. As escolas estão atrapalhadas, mas, na minha experiência, trabalhando ativamente em seis delas durante este ano, muito mais saudáveis do que eu pensava. Sociedade e pais precisam se organizar para apoiá-las nessa tarefa tão delicada. A crise sobre como pensar o que é boa educação para as crianças é de toda a sociedade e também da escola. Olga vê correspondências entre a situação dos EUA e do Brasil nesse terreno, mas com peculiaridades: Vivemos em uma sociedade de pais exaustos e muitas vezes despreparados para a nova parentalidade. As redes familiares e sociais estão mais pobres aqui, e isso é o que aconteceu nos EUA muito antes. Agora, não quer dizer que vai acontecer o mesmo conosco. Somos uma cultura mais afetiva com as crianças. Mas afeto não é suficiente. O limite também é necessário. Limite com afeto, levando em conta a idade da criança e suas necessidades naquele momento. Autor do livro Narrar, Ser Pai, Ser Mãe, finalista do 53º Prêmio Jabuti, o psiquiatra e escritor porto-alegrense Celso Gutfreind discorda daqueles que apontam a exposição à violência nas artes e na cultura como responsável pela agressividade dos jovens: Afirmar isso é errar o alvo. A questão é antiga. Goethe foi acusado de fomentar suicídios com sua novela Werther. Não penso que ninguém tenha se matado por causa de suas páginas, belas, aliás. Matavam-se por outros aspectos, sociais e afetivos, não pela arte. Gutfreind complementa: Do ponto de vista psíquico, representar, simbolizar, criar estética ao narrar, cantar, pintar e esculpir foi o que encontramos até hoje de mais efetivo para transformar a barbárie e a violência em civilização. Se isso não é suficiente, também não se pode confundir com causa. Olga recomenda a pais e professores prestar atenção ao comportamento de filhos e alunos: Devem estar atentos tanto a comportamentos violentos como a comportamentos excessivamente passivos. A criança saudável é ativa e curiosa. Quando muito pequena, tende a se meter em situações de risco que obrigam os pais a estarem sempre alertas. Mais tarde, por exemplo, a área de excessos pode ser aparentemente tranquila como o uso de computador, mas os pais devem estar atentos a que tipo de contatos e jogos ela se dedica e devem limitar o tempo de uso do computador e da TV. Professora há 27 anos, a subsecretária de Educação de Picada Café e mestre em educação pela UFRGS Maria Janete Baldissera propõe uma divisão de responsabilidades entre família, escola e sociedade: Não podemos nos engajar na busca de culpados, mas sim trabalhar em rede a fim de proporcionar a nossas crianças posturas de adultez em que a afetividade e o limite contracenem. As autoridades federais se surpreendem ao ver o Rio Grande do Sul como o Estado brasileiro com menos matrículas na educação infantil, mas não contam que temos em nosso histórico o hábito de contratar tatas (babás), deixar os filhos com dindas e avós nos primeiros anos. Maria Janete leciona português na Escola Municipal Francisca Saile, na periferia de Novo Hamburgo. A área é tida como de alta vulnerabilidade social. Afirma não ter problemas de relacionamento com alunos: Minha fórmula é afetividade e disciplina. As redações viram livro impresso ou em formato de CD no final do ano. Eles têm de escrever para a família, a comunidade. POR LUIZ ANTÔNIO ARAUJO |
1 de outubro de 2011
Educar os jovens sem medo
Postado por
jorge werthein
às
08:09
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário