02 de outubro de 2011
Educação no Brasil | Folha de S. Paulo | Marcelo Neri | BR
59,8 mi de brasileiros (uma França) chegaram à nova classe média. Quem são, o que fazem e o que pensam?
Obama, Dilma, Lula e FHC disseram neste ano que o Brasil se tornou um país de classe média. A FGV estima que, entre 1993 e 2011, 59,8 milhões de pessoas (uma França) foram agregados ao que denominamos nova classe média -vulgo classe C-, chegando hoje a 55% da nossa população.
É um feito considerável num país que se acostumou a ser chamado de Belíndia. Apesar do crescimento desse estrato do meio, altas desigualdades persistem, e precisam do bom combate. Redistribuição é igual a colesterol: há o tipo bom e o tipo mal. O último é deletério ao crescimento.
Para avançar mais e melhor, há que diagnosticar quem são, o que fazem e o que pensam as diferentes classes de brasileiros. Os sociólogos podem relaxar. Não estamos falando de classes sociais (operariado, burguesia, capitalistas etc.), mas de dinheiro no bolso -segundo os economistas, a parte mais sensível da anatomia humana.
Heuristicamente, contrastamos perfis de belgas e de indianos, isto é, a classe A/B (10% mais ricos) e a classe E (15% de pobres). Dos pobres, 27,5% são crianças de até nove anos e 1% tem 70 anos ou mais, ante 7,1 e 7,4%, respectivamente, na classe A/B. Idade é um atributo-chave das classes (gerocracia?).
Raça também: 75,2% da classe A/B é branca, enquanto 72,6% dos pobres são negros ou pardos (ditadura racial?). Há mais mulheres do que homens em todos os estratos. Na classe E, a diferença é de 0,95%, ante 7,23% na elite econômica (igualdade de gênero?).
O conceito de classe é familiar onde toda diferença de rendas individuais contrária às mulheres desparece no bojo das famílias. As mulheres ativas que decidem nas famílias têm virado alvo preferencial.
Por exemplo: 93% dos beneficiários do Bolsa Família são mães-para que o dinheiro chegue às pobres das crianças. O programa foi recém-expandido, com uma bolsa adicional para as gestantes, cuja parcela é 36,7% maior nas mulheres pobres do que nas da elite.
Educação é um ativo de luxo: 47,46% da elite tem pelo menos o superior incompleto e 3,17% têm mestrado ou doutorado. Nos pobres, caem para 0,78% e 0%, respectivamente (meritocracia?). Entre quem está frequentando os bancos escolares, 73,4% da elite o faz em instituições privadas, ante 3,33% dos pobres.
O Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) mostra que o aprendizado dos alunos em escolas privadas é 66,7% maior do que nas públicas. Essa não é uma mera fotografia da Belíndia brasileira, mas um trailer da vida que seguirá nos dois lados da fronteira.
A probabilidade de alguém da classe A/B ter emprego público é 1.491% maior do que a de alguém pobre, e a de contribuir para a Previdência Social é 548% maior. A probabilidade de um pobre receber o benefício de prestação continuada (benefício não contributivo, para idosos e deficientes pobres) é 489% maior do que a de um da elite. Esse gradiente de classes no Bolsa Família é de 9.022%. Na titularidade do cheque especial, o reverso é observado -diferencial de 8.350% favorável à classe A/B.
A elite tem 1.116% mais facilidade de fechar o mês com sobra de salário do que o pobre. Note que os pobres tendem a ter uma avaliação subjetiva menos estrita. Como canta o poeta, "cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é".
A probabilidade de morar em uma casa boa é 226,5% maior na classe A/B. O problema dos pobres não é só que eles não têm acesso a serviços públicos, mas que a qualidade daqueles que acessa é pior.
No pior dos serviços, o saneamento, a probabilidade de alguém da classe A/B ter acesso a serviço bom é 303% maior do que a de alguém pobre. Mesmo sem levar em conta que os pobres têm menos cobertura e/ou mais ligações clandestinas (gatos) no fornecimento de serviços públicos diversos, o gradiente do atraso de contas de água, luz ou gás é 338% maior nos pobres.
Finalmente, a probabilidade de uma pessoa da classe A/B perceber problemas de violência em sua área de moradia é 8,9% maior do que a de um pobre. Consistente com a ideia de que a violência é menos associada à pobreza e mais à desigualdade.
MARCELO NERI, 48, é economista-chefe do Centro de Políticas Sociais e professor da EPGE, na Fundação Getulio Vargas.
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