Folha de São Paulo, 1 de abril, 2012
Carta de Assad dá um primeiro sinal de que o grupo é visto como conjunto, o que não é
NOVA DÉLI -
O ditador sírio, Bashar Assad, mandou carta ao primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, anfitrião da quarta cúpula dos Brics, às vésperas de que ela se inaugurasse, na quarta-feira.
O ditador sírio, Bashar Assad, mandou carta ao primeiro-ministro da Índia, Manmohan Singh, anfitrião da quarta cúpula dos Brics, às vésperas de que ela se inaugurasse, na quarta-feira.
Assad relatava as reformas que estava planejando ou implementando para supostamente abrir o regime e antecipava o que logo se tornaria público: sua concordância com o plano de seis pontos de Kofi Annan, enviado especial da ONU/Liga Árabe para a crise síria.
O conteúdo da carta, no entanto, importa menos do que o significado que lhe foi atribuído pelos Brics (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul): seria um primeiro sinal de que um governante externo ao grupo considera que as cinco potências emergentes atuam como um bloco.
É uma visão equivocada. Se atuassem coordenadamente, o presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, não teria defendido, publicamente, "um mecanismo dos Brics para coordenar ações em situações de emergência". O caso Síria é uma "situação de emergência" por excelência, mas não houve qualquer coordenação entre os Brics.
Tanto que, quando chegou ao Conselho de Segurança da ONU projeto de resolução da Liga Árabe condenando o regime Assad e pedindo que ele se afastasse para que a negociação com os opositores fosse conduzida pelo vice, os Brics racharam: Índia e África do Sul votaram a favor (com apoio do Brasil que não é, neste ano, membro do CS), mas China e Rússia vetaram.
Os Brics até coordenaram posições no assunto que é, a rigor, a única cola que os une: rejeitar o modelo de governança global econômico-financeira decidido faz mais de 60 anos. Concretamente: rejeitar a tradição que dá o comando do Fundo Monetário Internacional à Europa e o do Banco Mundial aos Estados Unidos.
Mas, na hora de passar do conceito à prática, não decidem em conjunto que nome apoiar ou lançar para qualquer uma das duas instituições. Nem mesmo quando um dos Brics, no caso a África do Sul, manifestou apoio a um candidato, no caso candidata, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala.
A decisão é de cada país, não submetida aos demais. O governo brasileiro, por exemplo, já recolheu os currículos dos três candidatos lançados, que a presidente Dilma Rousseff vai examinar nas vésperas de sua viagem aos Estados Unidos, dia 10, na expectativa de que o tema seja levantado em Washington por Barack Obama.
Vale idêntico raciocínio para o caso da Síria: os Brics apoiaram a missão Annan, no comunicado da cúpula, mas chegaram a essa posição cada um por si, não porque a discutiram conjuntamente.
Essa falta de coordenação não significa que o grupo seja fraco. Mas sua força decorre do peso individual de cada um dos integrantes, com óbvio destaque para a China, "o primeiro entre iguais nos Brics", conforme título de sexta-feira do "Hindustan Times".
A carta de Assad é uma primeira indicação de que o mundo externo vê o grupo como uma entidade, não como cinco países que a cada ano colocam seus líderes à mesa para uma bela foto.
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