Folha de S.Paulo, 2/8/2012
O governo de El Salvador facilita a vida do seu PCC em troca de uma redução da violência no país
Se o próprio secretário de Segurança Pública de São Paulo admite que há uma "escalada de violência" no Estado, o que diria seu homólogo de El Salvador, o país que detém o recorde de assassinatos?
São 58 por 100 mil habitantes, mais que o dobro dos já intoleráveis 26/100 mil do Brasil e quase seis vezes o índice que caracteriza uma epidemia (de violência).
A resposta das autoridades salvadorenhas foi um pacto com as duas principais quadrilhas: no início de março, transferiu cerca de 30 líderes da Mara Salvatrucha-13 e de duas facções do Barrio 18, também em confronto entre elas, para presídios menos rígidos.
Em troca, houve uma trégua entre as quadrilhas, que beneficia também policiais, soldados, guarda-costas e suas famílias.
Seria mais ou menos como o governo Geraldo Alckmin acordar com o PCC uma trégua, facilitando a vida dos presos do grupo em troca da cessação dos ataques a policiais, ônibus etc.
Funciona? Em El Salvador, há quem diga que sim, como o sítio "El Faro", boa fonte de informação sobre um país que ignoramos quase completamente. A trégua "se traduziu em uma abrupta redução dos homicídios, de 14 para 6 por dia, antes e depois dela", informa.
Há quem discorde. Relatório do Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais, de Washington, aceita que o número de homicídios caiu, mas diz que aumentou o de desaparecimentos.
Com base em dados do Instituto de Medicina Legal da Corte Suprema, informa que houve, nos quatro primeiros meses do ano, 876 desaparecimentos, o dobro do registrado no mesmo período de 2011.
Tradução: as pessoas desaparecem, mas, como os cadáveres não aparecem, as estatísticas apontariam redução no número de crimes.
O problema é que há dúvidas sobre os números do IML, até pelo período envolvido: pega dois meses de trégua e dois meses anteriores a ela.
Seja como for, o ambiente em El Salvador é de relativo otimismo, a ponto de ter subido à agenda um segundo item reivindicado pelas "maras", o nome genérico pelo qual são conhecidas as quadrilhas: a reinserção dos quadrilheiros -ou, como eles preferem, "uma segunda oportunidade".
Até entendo o contexto que levou o governo à heterodoxia de um acordo com o crime: não apenas a violência supera os níveis epidêmicos, como as "maras" se agigantaram no país (e, de resto, nos vizinhos como Guatemala e Honduras). O número de quadrilheiros saltou dos 11 mil de 2005 para os 62 mil de hoje. Segundo "El Faro", se se acrescentam as famílias, cada vez mais empurradas a respaldar o crime e os criminosos, chega-se a 250 mil, em um país de apenas 6,194 milhões de habitantes.
Dá 4% da população, o que corresponderia, no Brasil, a 8 milhões de, digamos, militantes do crime -todo um exército irregular.
A dúvida acaba sendo pertinente: combatê-lo ou pactar com ele?
Acho perigoso esse tipo de acordo, por dar status de ator político a criminosos. Ou será que os criminosos é que ganharam esse status, pela força de suas "tropas" e o volume de seus negócios?
Nenhum comentário:
Postar um comentário