23 de dezembro de 2012

Aumento da escolaridade resulta em diminuição da desigualdade



Maior acesso à educação explica diminuição da distância entre ricos e pobres, mas nível de estudo ainda é baixo em relação a outros países
ÉRICA FRAGADE SÃO PAULO,Folha de SP.23/12/2012
O aumento da escolaridade foi acompanhado de queda da desigualdade de renda no Brasil nos últimos anos.
Essas tendências têm uma relação forte de causa e efeito. O maior acesso à educação explica fatia importante da redução na distância entre ricos e pobres no país.
A origem desse processo data da década de 90, com a expansão no número de crianças e jovens das classes sociais mais baixas que passaram a frequentar escolas.
A universalização do acesso ao ensino fundamental (destinado a crianças de seis a 14 anos) foi um passo importante nesse processo.
Depois vieram outras políticas que aumentaram o acesso à educação no Brasil, como o maior volume de transferências do governo federal para que municípios carentes pudessem investir em seus sistemas educacionais.
Os resultados têm sido o aumento da escolaridade média no Brasil e a queda da enorme distância educacional entre as classes sociais.
Estudo recente dos economistas Naercio Menezes Filho (Insper e USP) e Alison Pablo de Oliveira (USP) mostra que, em 1992, os 10% mais ricos do país tinham escolaridade 4,5 vezes maior do que a dos 10% mais pobres. Em 2009, essa diferença havia se reduzido para 3,2 vezes.
O crescimento mais rápido da escolaridade da população de renda baixa se refletiu em ganhos também mais acelerados de rendimentos.
Entre 2001 e 2009, a renda dos 10% mais pobres cresceu 118%, contra a expansão de 20% no topo da pirâmide.
"Melhoras na educação, principalmente o aumento no número de alunos cursando o ensino médio, contribuíram de forma significativa para reduzir a desigualdade no país", afirma Menezes Filho.
IMPACTO GRANDE
Os cálculos de Menezes Filho e Oliveira mostram que a educação explica 26% da queda da desigualdade de renda ocorrida no Brasil entre 2001 e 2009, medida pelo chamado índice de Gini (ver gráfico nesta página).
A conclusão é similar aos resultados encontrados anteriormente em pesquisa coordenada pelo economista Ricardo Paes de Barros, que atribuiu à educação peso de 30% na redução da disparidade de renda per capita no país entre 2001 e 2007.
O único fator que teve o mesmo impacto que a educação sobre a redução da desigualdade foi o salto no valor das contribuições pagas pelo governo (como pensões e aposentadorias), na esteira do forte aumento do salário mínimo, de acordo com o estudo de Paes de Barros.
PRÊMIO SALARIAL
O aumento da escolaridade caminha de mãos dadas com o crescimento da renda porque cada ano a mais de estudo tende a garantir ao trabalhador um ganho extra de remuneração. Esse é o chamado prêmio salarial.
Em países onde a desigualdade educacional é grande, os prêmios salariais tendem a ser muito elevados. Isso porque a demanda por profissionais qualificados supera muito a oferta.
Conforme o acesso à educação aumenta, os prêmios salariais tendem a cair, embora permaneçam altos enquanto a escolaridade média não atinge nível elevado.
Esse processo reduz a desigualdade de renda porque, enquanto um número maior de profissionais passa a receber salários mais altos, a disparidade entre as remunerações diminui. É o que tem acontecido no Brasil.
Cálculos feitos pelos economistas Fernando de Holanda Barbosa Filho e Samuel Pessôa (ambos da FGV) mostraram justamente que os prêmios salariais vêm caindo com o aumento da escolaridade, mas ainda são altos.
Para profissionais com 11 a 15 anos de estudo, o prêmio salarial era de, por exemplo, 32,8% em 2004. Segundo Barbosa Filho, esse percentual recuou, mas ainda é elevado e está próximo a 30%.
"Os prêmios salariais ainda são altos no Brasil porque a escolaridade média tem muito espaço para crescer."
Embora tenha aumentado nas últimas duas décadas, a escolaridade no Brasil permanece baixa em comparação com a de outros países.
Os adultos brasileiros têm, em média, pouco mais de sete anos de estudo, contra mais de nove anos na Argentina, quase dez no Chile e mais de 12 nos EUA.


Com qualidade de ensino ruim, Brasil, apesar de salto, ainda está três décadas atrasado em relação ao Chile
DE SÃO PAULO
Trinta anos. Esse é o tamanho do atraso educacional do Brasil em relação ao Chile.
Segundo o economista Ricardo Paes de Barros, o país consegue, somente agora, sua primeira geração de adultos com cerca de 30 anos de idade e aproximadamente nove anos de estudo. No Chile, isso ocorreu em 1982 (com jovens nascidos em 1952).
"Apesar do progresso que vem acontecendo no Brasil, nosso atraso educacional é enorme", afirma Paes de
Barros, que é secretário de Ações Estratégicas da Presidência da República.
Especialistas concordam que houve um salto educacional relevante no Brasil, mas os indicadores dessa área ainda deixam a desejar em comparações internacionais.
O atraso é explicado em parte pelo descaso com a educação durante décadas, o que contribuiu para a maior desigualdade de renda no país.
Embora essa situação tenha mudado nos últimos anos, especialistas alertam para o risco de uma nova reviravolta no processo.
"O acesso ao ensino fundamental foi universalizado, mas só 60% dos estudantes concluem essa etapa. Além disso, a qualidade do ensino ainda é ruim. Sem mudanças que ataquem problemas como esses, a educação pode voltar a gerar desigualdade", afirma o economista Fernando Veloso, da FGV.
Carlos Geraldo Langoni, um dos primeiros economistas a pesquisar o impacto da educação sobre a desigualdade no Brasil -e a descobrir a relação significativa entre as duas variáveis- concorda com o diagnóstico.
"Houve um boom na quantidade de oferta da educação. Agora, precisamos de um salto equivalente em termos de qualidade", diz Langoni, ex-presidente do Banco Central e diretor do Centro de Economia Mundial da FGV.
De acordo com Langoni e Paes de Barros, o avanço tecnológico tenderá a levar a uma demanda por mão de obra cada vez mais qualificada no mercado de trabalho.
Se apenas uma parcela pequena de profissionais corresponder a esse perfil, o prêmio salarial oferecido a eles tende a aumentar fortemente, distanciando-se da renda dos menos qualificados e gerando desigualdade.
Isso tem ocorrido em alguns países desenvolvidos. Embora não existam indícios dessa tendência no Brasil, esse é um risco para o futuro.
"Essa é uma ameaça real, não porque o avanço educacional no Brasil seja lento, mas porque a tecnologia anda a uma velocidade ainda mais rápida, ou seja, precisamos acelerar ainda mais os progressos na área de educação", diz Paes de Barros.

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