29 de dezembro de 2012

Falta um efetivo controle de armas


ROBERT MUGGAH E ILONA SZABÓ DE CARVALHO, O Globo,29/12/2012


Em dezembro de 2012, o assassinato de 20 crianças numa escola nos Estados Unidos soa como um eco da tragédia no Rio de Janeiro, em abril do mesmo ano. Às oito e meia da manhã, Wellington Oliveira entrou calmamente numa sala de aula com dois revólveres calibre 38 e 32 e matou 12 crianças. Pelo menos 60 tiros foram disparados e 20 meninos e meninas ficaram gravemente feridos. Foi o pior massacre ocorrido numa escola na história do Brasil.
Por mais chocante que tenha sido o incidente de Realengo, a verdade é que a violência armada é estupidamente comum no Brasil. O país é líder mundial em número de homicídios - cerca de 50.000 por ano -, uma em cada dez mortes violentas no mundo é brasileira. Muitas delas ocorrem nas cidades e mais de 70 por cento são causadas por armas de fogo. Mais mortes violentas ocorrem por ano no Brasil do que em todas as guerras atuais somadas.
É muito comum ver armas pararem nas mãos erradas. Há menos de 20 milhões de armas de fogo em circulação no país - uma para cada 20 pessoas -, mas somente em torno de um terço destas tem licença e registro. A maioria destas armas é ilegal e pertence a colecionadores individuais, empresas de segurança privada e facções criminosas. Parte delas fazia parte do excedente do Exército ou da polícia antes de ser desviada para o mercado negro. A arma usada por Wellington era ilegal.
Ironicamente, o Brasil está produzindo e vendendo armas para o resto do mundo em ritmos alarmantes. Um aplicativo desenvolvido pelo Instituto Igarapé e o Google Ideas mostra que o país é um dos maiores fabricantes de armas leves no mundo, só ficando atrás de Estados Unidos, Itália e Alemanha. Desde o ano 2000 as exportações brasileiras de armas e munição cresceram mais de 370 por cento. Não é surpresa que a arma usada por Wellington fosse brasileira, uma Rossi 971.
O governo brasileiro só começou a implementar políticas internas de controle de armas recentemente. Embora o controle de importações e exportações date dos anos 30, a legislação regulando a compra e o uso domésticos só surgiu nos anos 80.
Em 1997 foi aprovada a lei 9.437, criando o Sistema Nacional de Armas e instituindo procedimentos simples de registro. Após muita pressão da sociedade civil, em 2003 foi aprovado o Estatuto do Desarmamento, centralizando a responsabilidade pelo controle de armas e munições e criando uma base de dados de balística unificada, que ainda esbarra em rivalidades entre as polícias estaduais e federal, entre outras dificuldades de implementação.
Ainda assim, com a proibição do porte de armas para civis e penalidades para a venda ilegal para civis e empresas privadas de segurança, os resultados foram imediatos. No primeiro ano houve uma redução drástica nas vendas de armas e em torno de 5000 vidas foram poupadas de acordo com a Unesco. Apesar disto, iniciativas de legislação mais progressistas foram vetadas pela bancada nacional pró-armas que conta com o apoio da National Rifle Association, dos Estados Unidos.
Mesmo com uma implementação desigual da legislação de controle de armas no nível federal, cidades como São Paulo e Rio de Janeiro lançaram iniciativas próprias de redução de violência armada e alcançaram uma diminuição significativa do número de mortes por arma de fogo. Lideradas por autoridades públicas, com o apoio das forças policiais e da sociedade civil. Esforços a nível municipal não vão curar a epidemia de violência armada brasileira, mas inegavelmente revelam sinais de progresso.
Brasileiros têm uma obrigação moral básica de intensificar o controle de armas responsável. Mortes por arma de fogo são evitáveis, além disso, mecanismos de fiscalização de venda e uso de armas têm uma relação custo-benefício excelente. Estratégias de centralização do controle de armas na Polícia Federal, marcação de armas e munição desde a fabricação, registro e restrição de posse e porte civis limitarão o desvio das armas do mercado formal para o mercado negro e reduzirão o número de vítimas feridas por armas de fogo que assolam o sistema de saúde pública nacional.
Além da redução do custo direto da violência armada, quanto menos pessoas forem mortas e feridas, mais produtiva será nossa sociedade. A regulação de armas de fogo e munição faz todo sentido ética e economicamente, só é necessário coragem política para torná-la realidade.
Robert Muggah é diretor de pesquisa do Instituto Igarapé Ilona Szabó de Carvalho é diretora executiva

Nenhum comentário:

Postar um comentário