30 de dezembro de 2012

MARCELO GLEISER Celebrando nosso pião celeste



Como o eixo de rotação está mudando lentamente, giram também os céus, e as estrelas mudam de posição
Folha de SP, 30/12/2012
Enquanto o Brasil passa pelos dias mais longos do ano, próximos ao solstício de verão, aqui no norte dos EUA passamos pelo exato oposto, os dias mais curtos, com noites que duram 15 horas, muita neve e frio. A Terra é um planeta de extremos, e nós, que nos espalhamos por ela, experimentamos isso tudo.
Hoje, em torno da minha casa, está tudo nevado, com as árvores nuas, lenha queimando na lareira, o famoso Natal branco que, inexplicavelmente, tentamos copiar no Brasil. Em vez de renas, o trenó do Papai Noel brasileiro tinha de ser puxado por tucanos e araras.
Essa diversidade climática vem essencialmente da inclinação do eixo de rotação da Terra em 23,5º. A Terra é um pião celeste, girando em torno de si mesmo, meio que caindo, descrevendo uma leve elipse em torno do Sol.
Se enxergássemos o Sistema Solar de longe, ele pareceria um disco plano, com o Sol no centro (ou quase) e os planetas a circundá-lo. A inclinação da Terra é em relação a esse plano, chamado de plano da eclíptica. A maioria absoluta das pessoas acha que o calor do verão e o frio do inverno vêm da distância entre a Terra e o Sol: inverno, mais frio, Terra mais distante; verão, o oposto. Poucos sabem que as estações são consequência da inclinação da Terra.
Dizemos que a Terra tem um movimento de precessão, o mesmo de um pião caindo. No caso da Terra, isso se deve a ela não ser uma esfera perfeita, sendo um pouco achatada nos polos e estufada no Equador. A força gravitacional combinada da Lua e do Sol age sobre o Equador, criando um torque que tenta alinhar o eixo de rotação da Terra com o plano da eclíptica, tentando fazer a Terra "cair".
Mas não se preocupem, a Terra não vai cair. (Se bem que Urano gira quase deitado, provavelmente devido a uma enorme colisão durante o período de formação do Sistema Solar, 4,6 bilhões de anos atrás.)
Esse movimento, a precessão dos equinócios, tem um período de aproximadamente 26 mil anos, ou um grau a cada 72 anos (para completar o círculo de 360º).
Como o eixo de rotação da Terra está mudando lentamente de posição, giram também os céus. Mais precisamente, as estrelas vão aos poucos mudando de posição. Por exemplo, agora o eixo de rotação terrestre está a um grau da estrela Polaris, no norte. Isso significa que uma foto de exposição longa mostrará o céu girando em torno de um ponto ao norte, pertinho dessa estrela. Em 13 mil anos, Polaris vai estar do lado oposto do eixo.
Foi neste ano que a sonda espacial Voyager 1, cuja missão começou em setembro de 1977, passou dos limites do Sistema Solar, a primeira nave humana a conseguir tal feito.
Viajando a 61 mil km/h, ela se destina ao espaço interestelar, o deserto escuro entre as estrelas. A uma distância atual do Sol 121 vezes maior do que a Terra, nosso planeta já é quase invisível para as suas câmeras, um pálido ponto azul, como disse Carl Sagan, onde tudo o que criamos, toda a nossa história, encontra-se em meio ao nada.
Entre os festejos de mais uma mudança de calendário, por que não parar durante dez segundos e festejar nossa casa celeste, este pálido pião azul, exuberante e vivo em meio a tanta escuridão e frio?
MARCELO GLEISER é professor de física teórica no Dartmouth College, em Hanover (EUA), e autor de "Criação Imperfeita".

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