27 de dezembro de 2012

Diploma de atraso


Editorial,Folha de SP,27/12/2012
Há muitas coisas difíceis de compreender no Brasil, e boa parte delas nasce com nossa predileção desmesurada pela burocracia.
Um exemplo: o país tem deficit de 170 mil professores de ciência para o ensino básico; e que medida toma a prefeitura paulistana? -por meras razões formais, enjeita docentes formados pela USP Leste.
A Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP Leste oferece um curso de licenciatura para formar professores com capacitação geral em ciências da natureza. No campus do Butantã (zona oeste da capital paulista), a melhor universidade do país oferece licenciaturas mais tradicionais, como biologia, física, química e matemática.
Não é má ideia formar professores generalistas de ciência. No ensino fundamental 2 (antigo ginásio), por exemplo, se trata mais de transmitir os valores e o método científico da pesquisa empírica e quantitativa, não tanto de aprofundar o conhecimento reunido ao longo de séculos.
O diploma da USP Leste não foi incluído entre as licenciaturas requeridas, porém, no edital para contratação de 62 professores da rede municipal paulistana. Alguns dos candidatos que prestaram o concurso com esse diploma conseguiram assumir seus postos docentes com apoio em decisões liminares da Justiça, mas estão agora impedidos de trabalhar.
Os burocratas municipais tentam escudar-se na alegação esquisita de que o curso da USP Leste é novo -não teria havido tempo suficiente para relacioná-lo no edital.
A licenciatura em ciências da natureza foi criada em 2005. Como a rede estadual de escolas públicas já aceita esse diploma, conclui-se que só a prefeitura paulistana é retardatária na matéria.
Se é fato que a educação básica na rede pública tem qualidade deficiente, o ensino de ciências é o calcanhar frágil desse aquiles cambaleante. Aí começa boa parte dos fracassos de alunos pobres nos vestibulares e nas universidades, porque seus parcos conhecimentos e habilidades na área -sobretudo em matemática- os impedem de ter bom desempenho.
O ministro da Educação, Aloizio Mercadante, estabeleceu como prioridade acabar com o deficit. Deu um passo importante ao reconhecer que as universidades e institutos federais sob sua alçada formam só 16% dos professores das escolas públicas -o restante sai das faculdades privadas.
Mercadante deveria considerar o modelo da USP Leste para formar mais e melhores professores de ciências, vale dizer, na medida do que o país necessita.

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