30 de dezembro de 2012

Na Moda, Beatriz Cardoso



O Globo,29/12/2012

Hoje, no Brasil, muitas iniciativas têm se esforçado para fazer referência à palavra educação. No entanto, justamente porque o desafio é tão grande, seria bom que os investimentos no setor se dessem para além do plano discursivo e da boa intenção. Se não colocarmos a atenção devida, acabaremos legitimando a ideia de que acoplar atividades relacionadas à Educação a todo e qualquer evento ou projeto equivale a realizar investimento relevante nesse campo. Assim sendo, em breve, isso poderá representar a manutenção do que já vai mal, abrindo, inclusive, brechas para oportunismos revestidos de investimento no setor.

Talvez a pergunta que caiba seja: Por que chegamos aqui? Por que, frequentemente, temos forte presença da voz de especialistas de outras áreas quando o tema é Educação? Por motivos históricos, o setor é constituído por profissionais pouco valorizados por nossa sociedade e, como consequência, também por uma produção de conhecimento específico e técnico ainda frágil frente a um mundo cada vez mais exigente no que diz respeito a desempenho e resultados. Há exceções, mas, em geral, o setor procura se impor mais pela denúncia e pela negação do que pela proposição, passando a imagem de despreparo e inconsistência. Por vezes, a ideologia e a prescrição se transformam num escudo protetor. Com isso abre-se espaço para que outros especialistas (principalmente economistas, sociólogos e jornalistas) dominem a voz corrente influenciando o setor e a sociedade em geral. 

Sem dúvida, esse olhar estrangeiro e comprometido, que ganhou força nos últimos anos, contribuiu muito para valorizar simbolicamente a Educação. No entanto, essa contribuição diz respeito a questões macro do campo educacional. Há um universo complexo de questões específicas relativas aos processos de ensino e de aprendizagem que precisam ser entendidos e enfrentados e que nem sempre se prestam a generalizações ou simplificações. Para fazer frente a este quadro e, para criar um campo favorável para que todos os alunos aprendam, é fundamental que pesquisadores (oriundos da pedagogia, psicologia, linguística, entre outros) e educadores sejam incorporados como interlocutores importantes nessa construção. Não se trata de uma visão corporativista. Os melhores caminhos para que os alunos aprendam nascerão do intercâmbio de conhecimentos de diferentes áreas. Mas, para haver troca é preciso reconhecimento equivalente para o valor dessa voz técnica. A Educação deve ser pensada a partir do lugar onde ela de fato acontece: a escola.
Uma boa aposta deveria ser fomentar a pesquisa aplicada e a criação de ferramentas que contribuam com a melhoria da qualidade das aprendizagens dos alunos. Ou seja, investir em laboratórios de ideias. Para isso, é importante criar estruturas que nos ajudem a fugir de amadorismos e, nas quais, os profissionais possam colocar seu tempo e seus conhecimentos a serviço do desenvolvimento de soluções para a maioria das crianças.

Reivindico, portanto, equilíbrio nos investimentos e apostas. É preciso migrar de uma perspectiva intervencionista, com foco em pequenos projetos preocupados em atingir um número cada vez maior de beneficiários em territórios delimitados, para a criação de estratégias de desenvolvimento e fomento à produção de conhecimentos relevantes que possam colaborar, aprimorar e acelerar a aprendizagem nas salas de aula.

Para alcançar melhores resultados e patamares consistentes a aprendizagem e o desenvolvimento intelectual devem estar no centro da discussão. Para assim, de forma consistente, fazer frente à polissemia que vem sendo legitimada para a palavra educação. Tudo cabe aí dentro, toda iniciativa é válida, quando o que deveria importar de fato deveriam ser ações estruturantes do setor que ficam em último plano. Há uma mistura entre escolaridade e assistencialismo que vem sendo aceita sem questionamentos. Educação não deve ser reduzida à boa ação ou a gestos bonitos, mas deve estar associada à competência, ao know-how e a metodologias capazes de fazer frente à complexidade inerente a esse campo.
Se formos capazes, coletivamente, de separar o joio do trigo credenciando o que é proposta, programa ou projeto de pesquisa que de fato faz frente ao desafio educacional brasileiro já estaremos dando um passo. Se formos capazes de investir (público e privado) em espaços de qualificação de profissionais de ponta na área da Pedagogia que desenvolvam know-how, faremos frente aos investimentos frágeis e interessados que vêm absorvendo muito recurso no setor e abriremos possibilidades frutíferas para as próximas décadas.
 
*Beatriz Cardoso
Diretora executiva do Laboratório de Educação
Doutora pela Faculdade de Educação da USP
Fellow no Advanced Leadership Initiative Harvard 2013

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