SÃO PAULO - A vida é uma coisa esquisita. À primeira vista, ela parece contradizer os princípios mais elementares da física e da química, segundo os quais sistemas tendem inexoravelmente à desordem (segunda lei da termodinâmica). Pior, a dificuldade em explicar como ela possa ter surgido constitui um hiato na narrativa científica, usado por religiosos e assemelhados para tentar emplacar suas hipóteses metafísicas.
O químico Addy Pross acaba de lançar o livro "What is Life" (o que é vida), no qual pretende responder a essa e outras questões intricadas. É uma obra ambiciosa. Pross afirma que o erro dos que o antecederam foi ver uma ruptura entre a química e a biologia quando não há nenhuma. Para o autor, descobertas recentes na química de sistemas mostram que, em determinadas reações chamadas de autocatalíticas, moléculas não vivas (como o RNA) competem por recursos químicos (nucleotídeos).
Pequenas diferenças na configuração dessas moléculas podem resultar em maior ou menor eficiência da reação. Dado que os recursos são finitos, a variante mais reativa leva a menos à extinção. O processo de seleção darwiniana começa antes mesmo do surgimento da vida.
Na verdade, esse tipo de sistema, ao contrário das reações químicas mais comuns, só é estável quando atinge um estágio de mudanças contínuas. É o que o autor chama de estabilidade cinética dinâmica, ou DKS. Desde que o sistema receba energia, a segunda lei da termodinâmica não é violada, e a biologia se torna um caso particular da química.
Acrescente a isso uma tendência à complexificação presente nessa química especial, e o surgimento da vida, embora não esteja explicado, se torna um problema mais tratável.
Pross sabe que se meteu num pântano epistemológico e antecipa as objeções, oferecendo respostas bastante honestas. Vale a leitura.
Folha de SP, 30/12/2012
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